Conheça a história da tapeçaria antiga européia, a forma de arte que os poderosos reis e imperadores utilizavam para ficar bem na foto e pela qual eram capazes de torrar muita, muita grana
Sara Duarte
Cuidado ao visitar o Palácio de Versalhes, na França. A chance de sair de lá achando que Luís XIV (1638-1715), seu mais famoso morador, era bonitão é enorme. Nas inúmeras obras de arte espalhadas pela propriedade, o Rei Sol aparece como um homem de porte atlético, rosto másculo, vasta cabeleira negra, pernas musculosas e, ainda por cima, alto. Mas Luís XIV estava mais para Didi Mocó que para Reynaldo Gianecchini. Os autores da propaganda enganosa: os artistas da época. Seu idealizador: o próprio monarca. Contratados a peso de ouro para produzir obras que dignificassem Sua Majestade, eles o retratavam à semelhança de deuses gregos como Hércules e Apolo. Afinal, o rei era o patrão. “Luís XIV tinha cerca de 1,60 metro, pernas finas, nariz adunco e olhos cansados. Mas nos retratos a imagem é melhorada: além de sempre jovem e belo, ele aparece com sapatos de salto alto e uma peruca de topete elevado, que lhe conferem altura extra”, escreveu o historiador Peter Burke no livro A Fabricação do Rei.
Um dos governantes mais longevos da história (reinou dos 4 aos 72 anos de idade), Luís XIV foi mestre na arte de fabricar a idéia de “monarca perfeito”. Em suas viagens, levava dois pintores para registrar seus passos. Na volta, os esboços eram remetidos a oficinas de pintura e escultura, que reproduziam os feitos com boas doses de exagero. Mas o supra-sumo da divulgação eram as eficientíssimas tapeçarias: gigantescas e expostas em praças públicas. O povo acompanhava a irreal vida do rei, tecida em lã e seda, e, conseqüentemente, adorava o soberano. As tapeçarias ocupavam o lugar que hoje é dos outdoors. Assim como eles, não estampavam as rugas e imperfeições que dão vida a qualquer ser humano.
A série L’Histoire du Roi (“A história do rei”) é mais enganosa ainda se o período de sua produção for observado: a segunda metade do século 17, época em que Luís XIV já estava, além de feio, velho. Careca, não aparecia em público sem peruca desde 1658. Em 1680, vítima de gota, tinha os pés inchados e repletos de fístulas purulentas. Aos 50 anos, andava em cadeira de rodas e sorria com poucos dentes na arcada superior. Porém, nas tapeçarias, surge belo, augusto, invencível e infalível, bem maior que os coadjuvantes, sempre menores e em segundo plano.
Sara Duarte
Cuidado ao visitar o Palácio de Versalhes, na França. A chance de sair de lá achando que Luís XIV (1638-1715), seu mais famoso morador, era bonitão é enorme. Nas inúmeras obras de arte espalhadas pela propriedade, o Rei Sol aparece como um homem de porte atlético, rosto másculo, vasta cabeleira negra, pernas musculosas e, ainda por cima, alto. Mas Luís XIV estava mais para Didi Mocó que para Reynaldo Gianecchini. Os autores da propaganda enganosa: os artistas da época. Seu idealizador: o próprio monarca. Contratados a peso de ouro para produzir obras que dignificassem Sua Majestade, eles o retratavam à semelhança de deuses gregos como Hércules e Apolo. Afinal, o rei era o patrão. “Luís XIV tinha cerca de 1,60 metro, pernas finas, nariz adunco e olhos cansados. Mas nos retratos a imagem é melhorada: além de sempre jovem e belo, ele aparece com sapatos de salto alto e uma peruca de topete elevado, que lhe conferem altura extra”, escreveu o historiador Peter Burke no livro A Fabricação do Rei.
Um dos governantes mais longevos da história (reinou dos 4 aos 72 anos de idade), Luís XIV foi mestre na arte de fabricar a idéia de “monarca perfeito”. Em suas viagens, levava dois pintores para registrar seus passos. Na volta, os esboços eram remetidos a oficinas de pintura e escultura, que reproduziam os feitos com boas doses de exagero. Mas o supra-sumo da divulgação eram as eficientíssimas tapeçarias: gigantescas e expostas em praças públicas. O povo acompanhava a irreal vida do rei, tecida em lã e seda, e, conseqüentemente, adorava o soberano. As tapeçarias ocupavam o lugar que hoje é dos outdoors. Assim como eles, não estampavam as rugas e imperfeições que dão vida a qualquer ser humano.
A série L’Histoire du Roi (“A história do rei”) é mais enganosa ainda se o período de sua produção for observado: a segunda metade do século 17, época em que Luís XIV já estava, além de feio, velho. Careca, não aparecia em público sem peruca desde 1658. Em 1680, vítima de gota, tinha os pés inchados e repletos de fístulas purulentas. Aos 50 anos, andava em cadeira de rodas e sorria com poucos dentes na arcada superior. Porém, nas tapeçarias, surge belo, augusto, invencível e infalível, bem maior que os coadjuvantes, sempre menores e em segundo plano.
FIO DA MEADA
Surgida na Idade Média, a partir de uma técnica desenvolvida no Egito antigo, a tapeçaria era a principal forma de arte decorativa medieval. Diferentemente dos tapetes orientais, as peças de lã e seda feitas a mão em ateliês da França e dos Países Baixos nunca viram solas de sapato. Gigantescas, eram tecidas em séries de pelo menos quatro, para serem penduradas lado a lado, nas paredes. Nobres encomendavam peças com os brasões de suas famílias e as exibiam em batizados, casamentos e banquetes. Autoridades eclesiais comissionavam peças com motivos bíblicos para decorar as igrejas – e pediam para o artista incluí-las entre os personagens. Já os monarcas absolutistas mandavam estendê-las nas câmaras onde recebiam convidados ou ordenavam que seus mensageiros as exibissem aos seus súditos. Segundo Thomas P. Campbell, curador de duas grandes mostras sobre tapeçaria realizadas pelo Metropolitan Museum of Art, de Nova York, esses murais eram “o mecanismo mais eficaz de propaganda e autopromoção dos poderosos da época, e decoravam os recintos onde era decidido o destino da Europa”.
No dia-a-dia, as tapeçarias também tinham funções práticas: dividir os ambientes da casa e aumentar a sensação de conforto térmico. Vale lembrar que na Idade Média o mobiliário das residências se restringia a móveis pesados feitos de madeira maciça e couro. Decorações em paredes eram sinônimo de luxo. Por isso, cada vez que viajavam, além de mantimentos, roupas e prataria, os ricaços levavam consigo seus murais. “As tapeçarias eram como afrescos portáteis”, afirma a pesquisadora Maria Amália Schmidt de Oliveira, representante no Brasil da Galerie Chevalier, de Paris. “Os donos as enrolavam, colocavam-nas nas carruagens e as estendiam novamente em suas residências de temporada”, diz.
Não se sabe exatamente quando foram criadas as primeiras peças de tapeçaria na Europa, mas o fato é que essa é a forma de arte mais ligada à opulência do antigo regime. Embora haja registros de exemplares produzidos a partir do século 12, seu apogeu ocorreu entre os séculos 15 e 17, quando a monarquia caiu de amores por ela. Naquele momento, o mapa da arte na Europa dividiu-se em dois: ao norte, as tapeçarias; ao sul, pinturas e afrescos.
Henrique VIII (1491-1547), da Inglaterra, deu início a uma coleção de mais de 2300 tapeçarias, que decoravam seus 14 palácios. Felipe II (1527-1598), da Espanha, importava grandes carregamentos de Flandres para as paredes de castelos, monastérios e conventos de seu país. Ao subir ao trono da Polônia, em 1550, Sigismundo II (1520-1572) encomendou 300 de uma só vez – destas, 130 podem ser vistas até hoje no castelo de Wawel, na cidade de Cracóvia. Seguindo o exemplo dos soberanos, em pouco tempo, nobres e membros da elite de toda a Europa passaram a encomendar às centenas, e o produto se supervalorizou. Idéia de preço: a série A História do Rei David, encomendada por Henrique VIII, tinha o mesmo valor de um navio de batalha da Marinha britânica.
As séries dos grandes feitos dos reis eram as mais caras. De acordo com Antonio Sama, diretor do departamento de conservação e restauração da Real Fábrica de Tapeçarias de Madri, na Espanha, havia uma infinidade de outros temas. “Assim como os pintores da época, os tecelões criavam cenas inspiradas em romances da literatura, na mitologia e em motivos heráldicos”, diz. Outra temática importantíssima era a religiosa: na Idade Média, o temor de Deus estava por toda parte. A maioria das tapeçarias bíblicas era encomendada pelo Vaticano ou por mecenas.
Nos séculos 15 e 16, os tecelões espanhóis eram os mais requisitados. Nessa época, a melhor lã vinha de Arras e Tournai (cidades que pertenciam ora aos Países Baixos, ora à França) e era levada para as manufaturas de Bruxelas e Flandres, na Bélgica, onde 80% da população trabalhava na produção de tapeçarias. Percebendo o tesouro que tinha nas mãos, Carlos V (1500-1558), soberano do Sacro Império Romano-Germânico (que corresponde hoje aos territórios da Alemanha, Bélgica, Países Baixos e Áustria), decidiu regulamentar o setor, estabelecendo uma espécie de monopólio flamengo. Ele investiu em novas manufaturas e no treinamento de artesãos, cartunistas e tintureiros e também determinou que cada peça contivesse o nome do tecelão e o da cidade de origem.
NOVA ETAPA
O ano de 1515 marcou uma revolução na história dessa arte. Até então, os esboços eram feitos por pintores das próprias manufaturas – e quem levava a fama era o tecelão que as assinava. Mas quando o papa Leão X contratou o italiano Rafael Sanzio para fazer os cartões da série Atos dos Apóstolos e os remeteu a um ateliê de Bruxelas, a tapeçaria teve de se render à pintura. “Os cartões de Rafael foram o primeiro grande conjunto de obras de arte italianas a atravessar os Alpes e atingir os Países Baixos”, afirma Maria Amália, da Galerie Chevalier. Os desenhos traziam a típica perspectiva renascentista e impunham um grau de dificuldade inédito aos artesãos. A partir de então, os reis passaram a comissionar pintores famosos como Peter Paul Rubens e Francisco Goya para fazer os cartões. O desafio de fazer jus aos esboços desses artistas elevou o trabalho dos tecelões flamengos a um novo patamar, aumentando mais a sua fama.
Mas a situação política da Europa daria uma rasteira na indústria têxtil flamenga. Em 1540, no contexto da Contra-Reforma, Felipe II, da Espanha, enviou à Bélgica um exército de 10 mil homens, com o objetivo de combater o avanço do protestantismo. Fugindo da perseguição religiosa, centenas de tecelões mudaram-se para outros países. Assim, Bruxelas e Flandres passam a enfrentar a concorrência de manufaturas na França, Alemanha, Antuérpia, Itália... Em 1601, vem outro grande golpe: Henrique IV (1553-1610), rei da França, proíbe a importação de tapeçarias de Flandres. O primeiro dos Bourbons sabia que, com a Bélgica ocupada, estava aberto o caminho para que Paris se tornasse o novo centro mundial da tapeçaria.
No reinado de Luís XIV, a França já era o centro da arte e da moda na Europa. Em 1662, o primeiro-ministro Jean-Baptiste Colbert reuniu todas oficinas de tecelagem e tinturaria espalhadas por Paris e Maincy em um só lugar. Surge, então, a lendária Manufatura Real de Móveis e Tapetes da Coroa, conhecida como Manufatura dos Gobelins. Sob a coordenação do pintor Charles le Brun, cerca de 200 artesãos trabalhavam exclusivamente para que Luís XIV pudesse exibir sua figura na série L’Histoire du Roi.
Sabendo do apreço do Rei Sol pela arte do tear, amigos costumavam enviar-lhe sugestões de temas. No fim do século 17, Maurício de Nassau, ex-governador da sucursal brasileira da Companhia das Índias Ocidentais, levou a ele uma curiosa série de oito cartões que retratavam a fauna, a flora e os habitantes de uma colorida floresta tropical. Ele explicou a Luís XIV que os desenhos haviam sido criados pelos pintores Albert Eckhout e Frans Post, que tinham estado em Pernambuco entre 1637 e 1644. Atraído pelo exotismo, Luís XIV entregou os cartões aos tecelões de Gobelins. A partir deles, criou-se a série Tapeçarias das Índias, a primeira e única obra de tapeçaria de luxo a fazer referência ao longínquo Brasil.
A partir do fim do século 17, os ateliês passaram a criar estoques com motivos da moda: as tapeçarias Verdure. Em paralelo, antigas estampas foram reeditadas apenas com bordas diferentes. A cartela de cores mudou de 79 tons para 365. “A partir de então, a burguesia européia voltou a encarar a pintura como uma arte maior”, afirma Antonio Sama. “A moda mudou, e as pessoas passaram a dar preferência a formas de arte decorativa menos dispendiosas, como telas, papéis de parede e boiseries, molduras de madeira para a parede onde eram encaixadas tapeçarias de pequeno formato”, diz ele.
A popularização não parou por aí. No século 18, conforme as revoluções destronavam os soberanos, os grandes painéis feitos com fios de seda, ouro e prata deram lugar a produtos acessíveis. Nunca mais as tapeçarias voltaram a ocupar o lugar de antes. Um fim de linha.
Surgida na Idade Média, a partir de uma técnica desenvolvida no Egito antigo, a tapeçaria era a principal forma de arte decorativa medieval. Diferentemente dos tapetes orientais, as peças de lã e seda feitas a mão em ateliês da França e dos Países Baixos nunca viram solas de sapato. Gigantescas, eram tecidas em séries de pelo menos quatro, para serem penduradas lado a lado, nas paredes. Nobres encomendavam peças com os brasões de suas famílias e as exibiam em batizados, casamentos e banquetes. Autoridades eclesiais comissionavam peças com motivos bíblicos para decorar as igrejas – e pediam para o artista incluí-las entre os personagens. Já os monarcas absolutistas mandavam estendê-las nas câmaras onde recebiam convidados ou ordenavam que seus mensageiros as exibissem aos seus súditos. Segundo Thomas P. Campbell, curador de duas grandes mostras sobre tapeçaria realizadas pelo Metropolitan Museum of Art, de Nova York, esses murais eram “o mecanismo mais eficaz de propaganda e autopromoção dos poderosos da época, e decoravam os recintos onde era decidido o destino da Europa”.
No dia-a-dia, as tapeçarias também tinham funções práticas: dividir os ambientes da casa e aumentar a sensação de conforto térmico. Vale lembrar que na Idade Média o mobiliário das residências se restringia a móveis pesados feitos de madeira maciça e couro. Decorações em paredes eram sinônimo de luxo. Por isso, cada vez que viajavam, além de mantimentos, roupas e prataria, os ricaços levavam consigo seus murais. “As tapeçarias eram como afrescos portáteis”, afirma a pesquisadora Maria Amália Schmidt de Oliveira, representante no Brasil da Galerie Chevalier, de Paris. “Os donos as enrolavam, colocavam-nas nas carruagens e as estendiam novamente em suas residências de temporada”, diz.
Não se sabe exatamente quando foram criadas as primeiras peças de tapeçaria na Europa, mas o fato é que essa é a forma de arte mais ligada à opulência do antigo regime. Embora haja registros de exemplares produzidos a partir do século 12, seu apogeu ocorreu entre os séculos 15 e 17, quando a monarquia caiu de amores por ela. Naquele momento, o mapa da arte na Europa dividiu-se em dois: ao norte, as tapeçarias; ao sul, pinturas e afrescos.
Henrique VIII (1491-1547), da Inglaterra, deu início a uma coleção de mais de 2300 tapeçarias, que decoravam seus 14 palácios. Felipe II (1527-1598), da Espanha, importava grandes carregamentos de Flandres para as paredes de castelos, monastérios e conventos de seu país. Ao subir ao trono da Polônia, em 1550, Sigismundo II (1520-1572) encomendou 300 de uma só vez – destas, 130 podem ser vistas até hoje no castelo de Wawel, na cidade de Cracóvia. Seguindo o exemplo dos soberanos, em pouco tempo, nobres e membros da elite de toda a Europa passaram a encomendar às centenas, e o produto se supervalorizou. Idéia de preço: a série A História do Rei David, encomendada por Henrique VIII, tinha o mesmo valor de um navio de batalha da Marinha britânica.
As séries dos grandes feitos dos reis eram as mais caras. De acordo com Antonio Sama, diretor do departamento de conservação e restauração da Real Fábrica de Tapeçarias de Madri, na Espanha, havia uma infinidade de outros temas. “Assim como os pintores da época, os tecelões criavam cenas inspiradas em romances da literatura, na mitologia e em motivos heráldicos”, diz. Outra temática importantíssima era a religiosa: na Idade Média, o temor de Deus estava por toda parte. A maioria das tapeçarias bíblicas era encomendada pelo Vaticano ou por mecenas.
Nos séculos 15 e 16, os tecelões espanhóis eram os mais requisitados. Nessa época, a melhor lã vinha de Arras e Tournai (cidades que pertenciam ora aos Países Baixos, ora à França) e era levada para as manufaturas de Bruxelas e Flandres, na Bélgica, onde 80% da população trabalhava na produção de tapeçarias. Percebendo o tesouro que tinha nas mãos, Carlos V (1500-1558), soberano do Sacro Império Romano-Germânico (que corresponde hoje aos territórios da Alemanha, Bélgica, Países Baixos e Áustria), decidiu regulamentar o setor, estabelecendo uma espécie de monopólio flamengo. Ele investiu em novas manufaturas e no treinamento de artesãos, cartunistas e tintureiros e também determinou que cada peça contivesse o nome do tecelão e o da cidade de origem.
NOVA ETAPA
O ano de 1515 marcou uma revolução na história dessa arte. Até então, os esboços eram feitos por pintores das próprias manufaturas – e quem levava a fama era o tecelão que as assinava. Mas quando o papa Leão X contratou o italiano Rafael Sanzio para fazer os cartões da série Atos dos Apóstolos e os remeteu a um ateliê de Bruxelas, a tapeçaria teve de se render à pintura. “Os cartões de Rafael foram o primeiro grande conjunto de obras de arte italianas a atravessar os Alpes e atingir os Países Baixos”, afirma Maria Amália, da Galerie Chevalier. Os desenhos traziam a típica perspectiva renascentista e impunham um grau de dificuldade inédito aos artesãos. A partir de então, os reis passaram a comissionar pintores famosos como Peter Paul Rubens e Francisco Goya para fazer os cartões. O desafio de fazer jus aos esboços desses artistas elevou o trabalho dos tecelões flamengos a um novo patamar, aumentando mais a sua fama.
Mas a situação política da Europa daria uma rasteira na indústria têxtil flamenga. Em 1540, no contexto da Contra-Reforma, Felipe II, da Espanha, enviou à Bélgica um exército de 10 mil homens, com o objetivo de combater o avanço do protestantismo. Fugindo da perseguição religiosa, centenas de tecelões mudaram-se para outros países. Assim, Bruxelas e Flandres passam a enfrentar a concorrência de manufaturas na França, Alemanha, Antuérpia, Itália... Em 1601, vem outro grande golpe: Henrique IV (1553-1610), rei da França, proíbe a importação de tapeçarias de Flandres. O primeiro dos Bourbons sabia que, com a Bélgica ocupada, estava aberto o caminho para que Paris se tornasse o novo centro mundial da tapeçaria.
No reinado de Luís XIV, a França já era o centro da arte e da moda na Europa. Em 1662, o primeiro-ministro Jean-Baptiste Colbert reuniu todas oficinas de tecelagem e tinturaria espalhadas por Paris e Maincy em um só lugar. Surge, então, a lendária Manufatura Real de Móveis e Tapetes da Coroa, conhecida como Manufatura dos Gobelins. Sob a coordenação do pintor Charles le Brun, cerca de 200 artesãos trabalhavam exclusivamente para que Luís XIV pudesse exibir sua figura na série L’Histoire du Roi.
Sabendo do apreço do Rei Sol pela arte do tear, amigos costumavam enviar-lhe sugestões de temas. No fim do século 17, Maurício de Nassau, ex-governador da sucursal brasileira da Companhia das Índias Ocidentais, levou a ele uma curiosa série de oito cartões que retratavam a fauna, a flora e os habitantes de uma colorida floresta tropical. Ele explicou a Luís XIV que os desenhos haviam sido criados pelos pintores Albert Eckhout e Frans Post, que tinham estado em Pernambuco entre 1637 e 1644. Atraído pelo exotismo, Luís XIV entregou os cartões aos tecelões de Gobelins. A partir deles, criou-se a série Tapeçarias das Índias, a primeira e única obra de tapeçaria de luxo a fazer referência ao longínquo Brasil.
A partir do fim do século 17, os ateliês passaram a criar estoques com motivos da moda: as tapeçarias Verdure. Em paralelo, antigas estampas foram reeditadas apenas com bordas diferentes. A cartela de cores mudou de 79 tons para 365. “A partir de então, a burguesia européia voltou a encarar a pintura como uma arte maior”, afirma Antonio Sama. “A moda mudou, e as pessoas passaram a dar preferência a formas de arte decorativa menos dispendiosas, como telas, papéis de parede e boiseries, molduras de madeira para a parede onde eram encaixadas tapeçarias de pequeno formato”, diz ele.
A popularização não parou por aí. No século 18, conforme as revoluções destronavam os soberanos, os grandes painéis feitos com fios de seda, ouro e prata deram lugar a produtos acessíveis. Nunca mais as tapeçarias voltaram a ocupar o lugar de antes. Um fim de linha.
Tapeçaria de Bayeux mostra Guilherme (à direita) tirando seu elmo.
A história do rei
Tecida pela Manufatura de Gobelins, entre 1665 e 1680, a série foi exibida em praças públicas de diversas cidades francesas. Hoje, a maior parte dessas tapeçarias, que retratavam casamentos, conquistas militares e visitas oficiais a Luís XIV, pode ser vista em Versalhes e no Museu de Gobelins.
O Apocalipse de Angers
Encomendada pelo duque Louis d’Anjou, a série tem sete painéis que descrevem o Juízo Final. É a mais antiga tapeçaria bíblica. Foi tecida entre 1377 e 1382, por Nicolas Bataille, em lã, seda, ouro e prata. O que restou está na Catedral de Angers, França.
Tapeçarias das Índias
Única série com referência ao Brasil. Inspirada em telas dos holandeses Albert Eckhout e Frans Post, que vieram ao país no século 17, estão no Masp e na Fundação Maria Luisa e Oscar Americano, em São Paulo, e na Fundação Ricardo Brennand, no Recife.
Atos dos Apóstolos
O papa Leão X, em 1515, procurou o ateliê de Pieter van Aelst, em Bruxelas, para uma série de dez tapeçarias sobre a vida de São Pedro e São Paulo. As obras, que custaram cinco vezes os afrescos de Michelangelo, foram para a Capela Sistina.
Trabalho de formiguinha
Peças ficavam prontas em um ano e meio
A fabricação de uma tapeçaria antiga era um processo meticuloso e lento. “O tempo de confecção de uma peça era, em média, de 18 a 20 meses”, afirma Antonio Sama, da Real Fábrica de Tapeçarias de Madri. Tudo começava com a escolha de um tema por um mecenas, que o encomendava a um ateliê de sua preferência. O mestre tecelão encarregava um pintor de fazer o primeiro esboço. Entrava em cena o cartunista, responsável por ampliar o modelo. “Conforme o grau de sofisticação do ateliê, não havia apenas um, mas uma equipe de cartunistas, que iam copiando o desenho em cartões (pequenos pedaços de papel, pintados com guache). Havia especialistas em frutas, em animais, em rostos... No final, juntavam-se os cartões lado a lado e se tinha o modelo da tapeçaria em tamanho natural”, diz Maria Amália Schimdt de Oliveira, da Galerie Chevalier. Os tintureiros davam as cores às lãs com pigmentos de origem animal e vegetal resistentes à luz. A partir dos fios tecidos, o tecelão preparava o tear com a urdidura e efetuava o trabalho de tecelagem propriamente dito. Simples, não?
Saiba mais
Livros
Tapestry in the Renaissance: Art and Magnificence, Thomas P. Campbell, Metropolitan Museum of Art Publications, 2002
Catálogo dedicado a peças renascentistas produzidas na Bélgica, Itália e França.
A Arte da Tapeçaria, Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2004
O livro retrata as peças do Petit Palais, em mostra que esteve em São Paulo e Curitiba há quatro anos. É um dos poucos livros em português sobre o tema.
A Fabricação do Rei – A Construção da Imagem Pública de Luís XIV, Peter Burke, Jorge Zahar, 1994O consagrado historiador inglês explica a máquina de propaganda de Luís XIV e mostra como as relações de poder influiam na arte do século 17.
Tecida pela Manufatura de Gobelins, entre 1665 e 1680, a série foi exibida em praças públicas de diversas cidades francesas. Hoje, a maior parte dessas tapeçarias, que retratavam casamentos, conquistas militares e visitas oficiais a Luís XIV, pode ser vista em Versalhes e no Museu de Gobelins.
O Apocalipse de Angers
Encomendada pelo duque Louis d’Anjou, a série tem sete painéis que descrevem o Juízo Final. É a mais antiga tapeçaria bíblica. Foi tecida entre 1377 e 1382, por Nicolas Bataille, em lã, seda, ouro e prata. O que restou está na Catedral de Angers, França.
Tapeçarias das Índias
Única série com referência ao Brasil. Inspirada em telas dos holandeses Albert Eckhout e Frans Post, que vieram ao país no século 17, estão no Masp e na Fundação Maria Luisa e Oscar Americano, em São Paulo, e na Fundação Ricardo Brennand, no Recife.
Atos dos Apóstolos
O papa Leão X, em 1515, procurou o ateliê de Pieter van Aelst, em Bruxelas, para uma série de dez tapeçarias sobre a vida de São Pedro e São Paulo. As obras, que custaram cinco vezes os afrescos de Michelangelo, foram para a Capela Sistina.
Trabalho de formiguinha
Peças ficavam prontas em um ano e meio
A fabricação de uma tapeçaria antiga era um processo meticuloso e lento. “O tempo de confecção de uma peça era, em média, de 18 a 20 meses”, afirma Antonio Sama, da Real Fábrica de Tapeçarias de Madri. Tudo começava com a escolha de um tema por um mecenas, que o encomendava a um ateliê de sua preferência. O mestre tecelão encarregava um pintor de fazer o primeiro esboço. Entrava em cena o cartunista, responsável por ampliar o modelo. “Conforme o grau de sofisticação do ateliê, não havia apenas um, mas uma equipe de cartunistas, que iam copiando o desenho em cartões (pequenos pedaços de papel, pintados com guache). Havia especialistas em frutas, em animais, em rostos... No final, juntavam-se os cartões lado a lado e se tinha o modelo da tapeçaria em tamanho natural”, diz Maria Amália Schimdt de Oliveira, da Galerie Chevalier. Os tintureiros davam as cores às lãs com pigmentos de origem animal e vegetal resistentes à luz. A partir dos fios tecidos, o tecelão preparava o tear com a urdidura e efetuava o trabalho de tecelagem propriamente dito. Simples, não?
Saiba mais
Livros
Tapestry in the Renaissance: Art and Magnificence, Thomas P. Campbell, Metropolitan Museum of Art Publications, 2002
Catálogo dedicado a peças renascentistas produzidas na Bélgica, Itália e França.
A Arte da Tapeçaria, Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2004
O livro retrata as peças do Petit Palais, em mostra que esteve em São Paulo e Curitiba há quatro anos. É um dos poucos livros em português sobre o tema.
A Fabricação do Rei – A Construção da Imagem Pública de Luís XIV, Peter Burke, Jorge Zahar, 1994O consagrado historiador inglês explica a máquina de propaganda de Luís XIV e mostra como as relações de poder influiam na arte do século 17.
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