Prof. Marcio Carneiro

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domingo, 20 de março de 2011

Michelangelo Buonarotti, Estudo de um homem

Michelangelo Buonarotti, Estudo de um homem nu

Michelangelo Buonarotti, Estudo de um homem nu

Michelangelo Buonarotti, Cleópatra

Michelangelo Buonarotti, Madonna com a Criança

Michelangelo Realizou dois importantes projetos de Arquitetura: A cúpula da Basílica de São Pedro em Roma e O Túmulo Papal, iniciado em 1503 a pedido do papa Júlio II, e finalizado em 1545 devido a grande quantidade de trabalho. A Estátua de Moisés ao centro.


Sagrada Família da Tribuna

David, feita em mármore de Carrara, concluída em 1504. Michelangelo

Michelangelo, Moisés

obras de Michelangelo na Capela Sistina



Escultura - Pietá, de Michelangelo

Baco - Michelangelo

ARTES Miguel Ângelo Buonarroti

Introdução

"Ele predizia o futuro monumental aos informes montes de pedras e de traves que jaziam à nossa volta"

O grande florentino cuja obra tornou tão famosa a arte italiana foi Miguelangelo Buonarroti (1475-1564). Ainda jovem, Miguelangelo aprendeu todos os recursos técnicos do ofício, uma técnica sólida de pintura de afrescos e o completo domínio da arte de desenhar. Também fez suas próprias pesquisas de anatomia humana, dissecou cadáveres e desenhou de modelos, até que a figura humana deixou de ter para ele quaisquer mistérios. Atitudes e ângulos que muitos grandes artistas anteriores hesitariam em introduzir em suas pinturas, com receio de não os reproduzirem de forma convincente, apenas estimulavam a sua ambição artística. Com trinta anos, ele era geralmente reconhecido como um dos mais notáveis mestres da época, igualando-se, à sua maneira, ao gênio de Leonardo. Em sua obra no teto da Capela Sistina, onde encenou toda a bíblia com sua arte, pintou homens e mulheres pujantes, em posturas de profunda meditação, lendo, escrevendo, discutindo ou como se estivessem escutando uma voz interior. Essas surpreendentes figuras exibem todo o domínio e mestria de Miguelangelo desenhando o corpo humano em qualquer posição e de qualquer ângulo. São jovens atletas com musculaturas maravilhosas, torcendo-se e voltando-se em todas as direções concebíveis, mas sem perderem nunca a elegância.

"O desenho sempre se torna muito mais fácil quando conhecemos os diversos instrumentos de trabalho e o emprego adequado dos mesmos. Os conhecimentos sobre desenho se resumem em técnica".



Michelangelo Buonarroti

No dia 6 de Março de 1475, despontava a madrugada na cidadezinha de Caprese, em casa do podestade da cidade, o senhor Lodovico Buonarroti, notável de Florença, nascia uma criança. Dotado de razoável fortuna, negociante hábil e honesto, gozando do respeito e da consideração dos seus concidadãos, Lodovico não podia prever o destino que esperava seu filho Michelangelo.

Nessa estrada que vai de Florença a Roma e que tantas vezes ele percorrerá durante uma vida cheia de viagens, de fugas e de regressos, entre a cidade radiosa da Toscana e a velha cidade que em breve sentirá os sortilégios da sua própria antigüidade.

Tinha 6 anos quando a mãe morreu e o pai decidiu levá-lo para Florença.

Lodovico Buonarroti manda-o para o Colégio de Francesco da Urbino, onde prisioneira entre as paredes sombrias, a criança sonha, indiferente à geometria e ao latim. Sonhos de ternura, céu, campo e pedra. Sonha vir a ser artista. O pai, depois de ameaças, ralhos e gritos, decide-se a metê-lo como aluno na oficina de Ghirlandajo. Sonhara com a pedra. Hei-lo no mundo mágico da cor, junto de um dos pintores mais famosos de Florença. Mas este sente-se decididamente pouco atraído pela pintura e não tarda a entrar para a oficina de escultura de Bertoldo. Hei-lo diante da pedra e do mármore. Inicia então um diálogo com a matéria que prosseguirá durante toda a sua vida.

Lourenço de Médicis, príncipe sem coroa de Florença, colecionador de obras de arte, a quem chamam o Magnífico, quisera que o ensino das artes plásticas na sua cidade tivesse as mesmas vantagens e gozasse das mesmas facilidades que o ensino das artes literárias. Michelangelo gosta da solidão. Falta-lhe esse bom humor que dizem habitual nos homens de belas-artes, e se é verdade que se exagerou o seu sentido trágico e da angústia, não deixa de ser um fato que a sua insociabilidade o isola consideravelmente.

Michelangelo, por seu potencial, não deixou de suscitar ódios e invejas. Um dos colegas de oficina, Torrigiani, provoca uma discussão e com um violento murro fratura-lhe o nariz, deixando-o desfigurado para o resto da vida. Foi um acidente que apenas contribuiu para tornar ainda mais selvagem este amante da beleza, prisioneiro da sua própria fealdade.

Lourenço instalara Michelangelo no palácio, e este encontra-se subitamente mergulhado na atmosfera mais livre, mais voluptuosa e intelectual de toda a cidade.

Cristaliza a sua emoção num baixo-relevo que se encontra atualmente na Casa Buonarroti, de Florença, e, regressando às fontes da tragédia grega, executa o Combate dos centauros e dos Lápitas, em que pressentimos já a violência muscular que marcará todas as suas composições.

Lourenço morre em 1492, com 44 anos. Michelangelo deixa então o palácio e regressa à casa paterna. Isolado no seu trabalho, interroga-se sobre o sentido da vida e da morte, sobre o valor do artista e a importância da obra de arte na vida e em face de Deus.

Entretanto, no palácio dos Médicis, o filho mais velho de Lourenço, Piero, não pensa senão em impor a sua vontade ao povo de Florença e tomar o poder. A dinastia dos Médicis, o seu brilho de mecenas e de entes de gosto, desmoronar-se-á com o seu reinado tirânico.

Quando, dois anos após a morte de Lourenço, em Janeiro de 1494, ele convida Michelangelo, este, que se cria já esquecido, não deixa de ficar admirado.

O rei da França, Carlos VIII, começa então a majestosa marcha dos combatentes em direção a Florença, Roma e Nápoles. Michelangelo abandona Florença, na primeira fuga de uma vida que tantas vezes o verá nas estradas em busca de uma serenidade impossível, e não fugindo, na verdade, senão de si mesmo, em busca de um outro ele próprio ideal.

Michelangelo resolve ir viver em Bolonha acompanhado pelos poucos amigos que o tinham já seguido até Veneza. Quando chegam, a sua qualidade de estrangeiros causa-lhes complicações com a justiça e a polícia locais, mas o acaso pôs no seu caminho Gianfranco Aldovrandi, apreciador de arte e espírito cultivado, para quem o nome de Michelangelo não é desconhecido. E hei-lo de novo com um protetor. Instala-se em sua casa e pode recomeçar a sonhar com o trabalho.

É-lhe enfim dada a oportunidade de se dedicar novamente ao trabalho, ou seja, de se encontrar de novo diante da pedra, do escopro e do martelo. Confiam-lhe o trabalho de terminar o santuário que contém os restos de São Domingos. Faltava executar as estátuas de São Petrônio e São Próculo e de um anjo – O Anjo do Candelabro.

Mas os artistas bolonheses vêem com maus olhos este estrangeiro que obtém as encomendas a que de boa vontade teriam concorrido. Chegam até ele as ameaças e até rumores de um possível assassínio. Para mais, começa a sentir dolorosamente o peso do exílio. Alguns dos Médicis, também eles refugiados em Bolonha, preparam-se para regressar ao seu antigo feudo e Michelangelo decide acompanhá-los.

Após a queda de Florença, os inimigos dos Médicis tinham-se unido e, sob o comando dos Pazzi, aproveitaram a ocasião para deixar estalar os seus ódios e invejas. O dominicano Jerônimo Savonarola instaurou um verdadeiro regime de inquisição. Às antigas orgias sucedem-se cenas de penitência, de flagelação, de humilhação em praça pública e de perseguição.

Michelangelo chega a Florença nesta estranha atmosfera em que as lamentações substituíram os sons das baladas e dos madrigais da ars nova. Este estado de exaltação em que Savonarola mantém os florentinos acaba por cansar o artista.

O Cardeal de San Giorgio, estupefato com a habilidade de Michelangelo ao executar a maravilhosa escultura do Cupido Adormecido, convida o artista a passar algum tempo em Roma.

O romano Jacopo Galli entra na vida de Michelangelo para desempenhar por sua vez o papel de mecenas. Michelangelo recomeça a trabalhar. Esculpe o Baco, destinado a ser colocado num jardim de antigüidade do rico banqueiro romano. Sente-se nesta obra, que é no entanto uma das primeiras de Michelangelo, a familiaridade que existia lá entre a mão e o instrumento, o à-vontade dos dedos no manejo do cinzel, que não arranca o mármore nem o talha, mas o modela, e poder-se-ia quase dizer o amassa. É desta longa habituação do instrumento e do conhecimento preciso da matéria que nasce a perfeição.

A capital espiritual está nas mãos de Rodrigo Bórgia, eleito papa em 1492 com o nome de Alexandre VI. O novo papa dá a Roma o exemplo da mais negra devassidão. Sua filha Lucrécia, de quem fez sua amante, tornou-se uma das mais célebres heroínas românticas. Quanto ao seu filho preferido, césar, ele não se limitou a assassinar o irmão; apaixonou-se perdidamente pela irmã, tornando-se rival do próprio pai. Alexandre VI, apreciador de festas e de divertimentos, depressa se tornou alvo de Savonarola, que em Florença continuava as suas sombrias pregações, lançando agora a maldição sobre o próprio Vaticano.

Alexandre VI não perdoará. De um dia para o outro, a fortuna de Savonarola desmorona-se e é entregue à tortura após ser excomungado por Alexandre VI. Savonarola confessa tudo o que querem, o que equivale a assinar a sua condenação à morte.

No dia 23 de Maio de 1498, Savonarola é enforcado publicamente e o seu corpo é queimado, no mesmo local em que tinha feito destruir tudo o que, segundo o seu sentido de virtude, atentava à pureza da alma, do espírito e do corpo.

Florença tornar-se-á novamente possível se viver, no sol esquecido e na paz do espírito reconciliado com o espírito. Entretanto, em Roma, Michelangelo acaba de obter, graças a Jacopo Galli, a encomenda da Pietá destinada à capela dos reis de França, em São Pedro, que fará dele o escultor mais célebre da Itália.

Para executar sua obra, Michelangelo foi a Carrara a fim de escolher ele mesmo o mármore, e no próprio local esboça já a forma piramidal que dará à estátua.

Com a sua Pietá, Michelangelo marca um momento decisivo da escultura italiana. Ligada ainda ao Quattrocento pelo estilo dos panejamentos, ela inaugura uma nova era pela ousadia da composição e as qualidades soberanas de uma técnica que atingiu a maturidade. O corpo de Cristo já não é um cadáver rígido, um homem reduzido à morte, como que com doçura e confiança. É ao mesmo tempo o filho que voltou para sua mãe, para um último refúgio.

Terminada a Pietá, Michelangelo põe-se a pensar em Florença com mais intensidade e melancolia. Regressa como triunfador, pois a sua fama precedeu-o nesse momento todos os florentinos observam apaixonadamente a rivalidade existente entre dois artistas, Leonardo da Vinci e Andrea Sansovino. Ambos disputam a honra de esculpir um bloco de mármore já esboçado por Agostino di Duccio e abandonado em seguida. É a Michelangelo que caberá o trabalho de acabar o Gigante. Do bloco selvagem libertará David.

A sede de triunfo que o David irradia é a do próprio Michelangelo, cristalizada na sua obra. Essa energia latente que faz dilatar os músculos e incha as veias é a sua própria energia. Em todo o caso, nunca uma obra causara tanto assombro e admiração aos florentinos.

Em Janeiro de 1504 reuniu-se uma comissão, constituída entre outros por Leonardo da Vinci, Botticelli e Andrea Sansovino, a fim de decidir o lugar da colocação do gigante de quatro metros. Decidiram deslocar a Judite, de Donatello, que se encontrava diante da Senhoria e substituí-la pelo David. Foram necessários quarenta homens para transportar a estátua e cinco dias de esforços para a levar até ao local destinado.

Florença tinha nesse momento, no coração da sua elite artística, um mestre incontestado e incontestável em que Michelangelo não queria ver senão um temível rival: Leonardo da Vinci.

Ele tinha 52 anos quando assistiu à solene consagração do David e do seu autor, Michelangelo, que tinha nesse momento 29. É então que vão poder medir os seus talentos e até os seus gênios, e confrontar as suas ciências do movimento e da anatomia. Tudo isto se passa por ocasião da decoração da Sala do Conselho do Palácio Municipal de Florença.

A Leonardo coube a tarefa de evocar a Batalha de Anghiari, travada em 1440 entre as tropas florentinas de Giampaolo d’Orsini e o exército do milanês Niccolo Piccinimo.

A Michelangelo coube representar o episódio da vitória dos florentinos sobre os pisanos na Batalha de Cascine.

Nenhuma das duas obras, nem a de Anghiari nem a de Cascine, chegou até nós, pelo menos levada a uma completa realização. Leonardo, como pesquisador infatigável, quis experimentar na cor processos técnicos que tiveram como único resultado destruir a cena assim que foi acabada. Michelangelo, esse não chegou à execução definitiva e realizou apenas o cartão, atualmente perdido. Não podemos, portanto, avaliar esse combate entre os dois gigantes da Renascença, a não ser pelos desenhos e cópias que deles subsistem, especialmente os de Rafael, que neles se inspirou quando teve de decorar as câmaras do Vaticano.

A colaboração dos dois artistas não se passou sem choques. Michelangelo, de natureza desconfiada e irritável, caiu mesmo francamente na indelicadeza nas suas relações com Leonardo, em quem não podia deixar de ver um rival odioso. Travou-se realmente entre eles uma batalha, a que se chamou mais tarde a "guerra dos cartões", e esta guerra teve a maior repercussão no mundo artístico florentino e fora dele. Benvenuto Cellini disse das duas obras que elas foram a escola do mundo. De Rafael a Alonso Berruguete, os artistas vieram admirar aquilo que contribuiu não só para a glória de Leonardo e de Michelangelo, mas também para a de Florença. Michelangelo foi o grande vencedor desta competição.

No início do ano de 1504, Agnolo Doni encomenda a Michelangelo um quadro de tema religioso. Michelangelo escolhe a forma do tondo, espécie de painel redondo, e inspira-se na Virgem e o Menino, de Signorelli, que se encontra nos Ofícios de Florença, optando por este formato bem pouco vulgar. Pinta a Sagrada Família.

Temos neste quadro a primeira pintura a têmpera que Michelangelo executou e já então se nota no vigor dos corpos, cujas contorções evocam espirais flexíveis, na cor que os modela, tal como a luz modela os planos da pedra e do mármore, na firmeza do desenho, que acentua mais ainda a arquitetura sólida da composição, e também na presença desses adolescentes que ocupam o plano de fundo, uma prefiguração dos afrescos da Sistina.

Enquanto Florença se organiza na sua liberdade reencontrada e Michelangelo trabalhava na serenidade da atmosfera toscana, Roma via extinguir-se o seu chefe espiritual, o papa Paulo III, e suceder-lhe um homem cuja energia, força de vontade e cóleras famosas não tardariam a decidir em grande parte o destino de Michelangelo.

Della Rovere, impaciente por reinar entre os Estados Pontifícios e daí sobre a Itália, acedia finalmente ao papado, tomando o nome de Júlio II. Ambicioso, desprovido de escrúpulos quando precisava de atingir os seus fins, alma de ferro num corpo já atacado pela velhice, tinha enormes ambições.

Júlio II tinha grandes projetos, entre eles o de mandar fazer, antes do seu desaparecimento, um túmulo majestoso que, colocado no centro de Roma, fixaria no mármore e na pedra, para a eternidade, a sua grandeza e a sua glória. Dirige-se, pois, ao seu arquiteto, Sangallo, a quem o projeto entusiasma.

Imaginam os edifícios mais grandiosos e, seguindo as recomendações de Sangallo, Júlio II recorre ao homem cujo vigor de trabalho e de gênio se mostra capaz de responder à sua própria ambição: Michelangelo.

Em Março de 1505, Michelangelo chega ao Vaticano. Tem 30 anos. Nada o assusta, nada lhe parece irrealizável, nem mesmo os projetos insensatos de Júlio II.

Na imaginação dos dois homens elabora-se um monumento gigantesco. Um túmulo, sim, mas que vai condicionar tudo o que o cerca, que vai ver a Basílica de São Pedro apagar-se para dar lugar a um novo edifício digno de si, e a própria cidade abandonar as suas velhas pedras pela nobreza irradiante do mármore.

Parte então para Carrara, a fim de escolher os mármores que lhe convêm. Em Roma, Bramante, que sucedeu Sangallo na tarefa de reconstruir São Pedro, joga com a superstição do papa, persuadindo-o de que há uma falta de prudência evidente da sua parte no fato de mandar construir um túmulo ... para um vivo! É realmente tentar o destino.

Deixando-se convencer, Júlio II renuncia – de momento – ao túmulo. Decide, sem aliás ter consultado Michelangelo, confiar-lhe a decoração do teto da Capela Sistina, que não passava então de uma vasta abóbada de azul onde cintilavam o ouro das estrelas que a ornamentavam.

Aqui é com cálices que se fazem capacetes e espadas,

O sangue de Cristo vende-se às mãos-cheias,

A cruz e os espinhos fazem lanças e escudos,

E no entanto a paciência de Cristo comove-se.



Ah! Que ele não venha mais para estas terras,

Pois o preço do seu sangue subiria até às estrelas,

Visto que em Roma vendem a própria pele,

E que a via do bem aí está fechada!



Se por acaso eu quisesse perder a minha fortuna,

Seria bem aqui onde me privam da minha obra,

Onde o casaco age como medusa sobre o Mouro.



Mas se no alto dos Céus a pobreza é estimada,

Qual será o grande conforto do nosso estado,

Se for preciso um sinal para abrir a outra vida.

Michelangelo, indignado pela interrupção do túmulo de Júlio II.



Abandona imediatamente as encomendas que lhe fizeram, entre elas o São Mateus, mal se destacando do bloco sólido, a face apresenta-se de perfil, e ao vê-lo não podemos deixar de pensar na máscara dos faunos antigos. O seu corpo é o de um lutador vencido pelo esforço. Contrariado, Michelangelo aceita a encomenda do papa.

Michelangelo afirmou sempre que não era pintor e que para ele só existia uma arte, a escultura. Então vão impor-lhe uma obra pintada e de dimensões gigantescas, difíceis de executar. Os seus inimigos pensam fazê-lo soçobrar e perder o prestígio que lhe tinha valido o David, a Virgem de Bruges, a Pietá, e até o cartão da Batalha de Cascine e o tondo Doni, que poderiam ser, afinal de contas, apenas produtos de um feliz acaso.

Júlio II chama Michelangelo e põe-no diante da tarefa que dele exige: pintar a abóbada da Capela Sistina. Quarenta metros de comprimento. Catorze de largura.

A 10 de Maio de 1508, Michelangelo inicia esse trabalho de demiurgo que duraria nada menos de quatro anos. Hei-lo só nesse céu vazio, no alto dos andaimes. Despediu os ajudantes que lhe tinham dado e começou essa infinita meditação de onde sairá uma nova criação do Mundo. Das trevas ele fará brotar um universo ao mesmo tempo humano e sobre-humano. Foi-lhe necessário começar a estudar o afresco, reencontrar as técnicas aprendidas na oficina de Ghirlandajo. Dessa breve aprendizagem da juventude resta tão pouco que as primeiras figuras desenhadas depressa desaparecem sob uma camada de bolor, revelando-se um total malogro técnico. Michelangelo atravessa uma crise de desespero, mas volta de novo ao trabalho. Dia após dia verá o seu sonho realizar-se.

Desenvolve na abóbada da Capela Sistina as imagens que os longos capítulos do Antigo Testamento lhe inspiram, desde a Criação ao Dilúvio e ao ressurgimento da Humanidade através da personagem Noé. Enquadrando as cenas do Gênesis, encontram-se as sibilas, os profetas e esses atletas nus e soberbos que se tornaram célebres sob o nome de ignudi.

Até Maio de 1509 Michelangelo prepara cartões, pensa a abóbada, amontoa projetos. Em setembro desse mesmo ano, a primeira parte está terminada. Compreende ela: A Embriaguez de Noé, o Dilúvio, o Sacrifício de Noé e, dos lados: Zacarias, Joel, a Sibila de Delfos, Isaías, a Sibila Ertreia, David, Judite, os triângulos antepassados e os ignudi correspondentes.

Em setembro de 1510, a segunda parte é terminada por sua vez, com o Pecado Original, a Criação de Eva, Ezequiel, a Sibila de Cumes e também os ignudi.

Finalmente, em agosto de 1511, é terminada a terceira parte: as quatro últimas histórias, Daniel, a Sibila da Pérsia, a Sibila da Líbia, Jeremias, Jonas, os ignudi, e nos triângulos, além dos antepassados, o Suplício de Amã e a Serpente de Bronze.

Quanto à estrutura em trompe l’oeil, ela divide a abóbada e o espaço em três partes. A primeira compreende os triângulos e os óculos, a segunda abriga os profetas, as sibilas e os ignudi e, finalmente, a terceira é reservada às grandes cenas.

Este sonho tumultuoso revela o ideal de beleza de Michelangelo. Homens e mulheres confundem-se num único tipo físico, uma espécie de fenômeno que tem a força muscular do homem e a graciosidade de atitudes e de gestos de mulher.

Fisicamente desfavorecido, Michelangelo procura um refúgio na arte. Apaixonado pela beleza, não podia deixar de sentir da forma mais cruel a sua própria fealdade. Incapaz de a ignorar, dota as suas personagens com traços que idealizara para si, tornando-se deste modo o criador dessa beleza de que tinha sido privado. Desajeitado em face do amor, confessa-o na sua obra. Transpõe os seus sentimentos e dá aos seres que cria os traços que traduzem melhor o tipo ideal que imaginou.

Michelangelo vive no meio dessas crianças ideais e na solidão da sua alma. Durante todo o tempo que vai durar a execução da obra na Capela Sistina não se evadirá delas e encontra-se tão esgotado pelo esforço físico a que é obrigado que em breve não conseguirá ler sem ser deitado ou pegando no livro com o braço estendido e mantendo-o acima da cabeça de modo a vê-lo de baixo, pois se transformou numa espécie de ser torcido e desconjuntado perdido para toda a luz que não seja a que faz vibrar com os seus pincéis.

"Eu não sou pintor", repete a Júlio II, que veio examinar sem indulgência o avanço dos trabalhos. Continua a discutir com ele. Continua a reclamar-lhe paz do alto dos seus andaimes, que são instrumentos do seu suplício físico e moral.

Da Embriaguez de Noé à Criação, a progressão é constante e a ascensão torna-se sensível. Michelangelo impregna-se do espírito da Bíblia.

A Criação do Homem, que é, com justiça, a mais célebre de todas as cenas do Gênesis. Deus, sustentado pelos anjos e elevado num céu de luz, estende a mão direita ao encontro da de Adão, que, deitado, volta para ele um olhar de uma inexprimível profundidade. Dos dois indicadores aproximados parece brotar a centelha de vida que dará origem a toda a Humanidade.

A Criação do Homem é um momento de Michelangelo. Um momento do homem. Um momento de Deus. As três últimas cenas são igualmente inspiradas no Gênesis: a Separação da Terra e das Águas, a Criação do Sol, da Lua e das Plantas e a Separação da Luz e das Trevas.

Com um gesto que ignoramos se está mais próximo da bênção que da maldição, na primeira cena Deus debruça-se sobre o Mundo em formação, e nessa primeira Sagração da Primavera reúne os mares e oceanos, faz surgir os continentes ainda e escorrer e brotar os rios da sua superfície.

A cena final é também cronologicamente a última que Michelangelo pintou. Representa uma espécie de sarabanda insensata, saída das procissões delirantes de uma antiguidade entregue aos encantos de Dioniso. Deus parece arrastado no turbilhão do seu próprio poder, feiticeiro único que a feitiçaria toca por sua vez.

Resta-nos ainda evocar o esplendor das figuras decorativas intercaladas e a zona inferior da abóbada, constituída pelos óculos e pelos triângulos. Nas primeiras, Michelangelo representou os Antepassados de Cristo, os acontecimentos históricos, entre eles os de David e Golias, Judite e Holofernes, Ester e Assuero, o Suplício de Amã e a Serpente de Bronze. Todas estas cenas são vistas pelo prisma da vida de todos os dias, e não sob o ângulo da tragédia ou da circunstância heróica.

E eis que em Outubro de 1512 os andaimes são retirados. O teto da Sistina aparece ao seu autor e a Júlio II em toda a sua incrível grandeza. Envia então a João de Pistoia este soneto, onde, através do humor sarcástico, se sente o esgotamento físico em que essa luta gigantesca que durou quatro anos o precipitou:

A pensar assim eis-me com um bócio,

Como a água faz aos gatos na Lombardia,

Ou em qualquer outra região que se queira,

De tal modo que o ventre me aponta para o queixo!



A minha barba direge-se para o céu e a minha nuca, sinto-o,

Cai-me sobre a bossa, e tendo o tórax de uma harpia;

Quanto ao pincel que pinga constantemente,

Fez-me um rico empedramento na face.



Os lombos entraram-me na pança,

Em contrapeso fiz do meu cu uma proa,

E em vão agito os pés sem os ver.



À frente alonga-se-me a crosta

Que, franzindo-se, enruga-se atrás,

Eis-me tenso como um arco de Soria.



Michelangelo abandonou aí os seus pincéis e vinte anos se passarão antes de os retomar, novamente na Capela Sistina, para realizar essa outra visão do Mundo no seu declínio: o Juízo Final.

No dia 21 de Janeiro de 1513, Júlio II morre vencido pela velhice, esgotado pela doença e pela fadiga dos muitos empreendimentos perigosos que o levaram da negociação à guerra e da batalha à vitória. Morre à cabeça do exército que organizara para empreender uma marcha sobre Florença. Deixará a marca da sua personalidade tanto na história do Mundo como na história da Igreja. Em dez anos de pontificado – poder-se-ia dizer de reinado – desempenhou um papel particularmente considerável, intervindo nas guerras de Itália e concluindo tratados com o estrangeiro: com Luís XII, Maximiliano da Áustria e Fernando, o católico. Ao morrer aos 72 anos, deixa uma igreja consolidada nas suas posições, de novo senhora dos domínios que as flutuações do tempo lhe tinham feito perder e que ele reconquistara.

Morto Júlio II, a construção do túmulo passa a impor-se de maneira urgente. Júlio II não se esqueceu, aliás, de formular esta vontade no seu testamento, e encarregou o cardeal de Agen e o cardeal de Saint-Quattro de se ocuparem da sua execução. Poucas obras mergulharam Michelangelo em estado de entusiasmo e de exaltação, e quando, ao sair da Capela Sistina, se encontra finalmente no meio dos seus blocos de mármore, reintegrado a sua natureza de escultor, ele esquece a fadiga e recomeça a sonhar com formas, luz e sombra.

Michelangelo quer oferecer à memória do papa, que, apesar do seu caráter difícil e impiedoso, foi o seu melhor amigo e aquele de quem se sentiu mais próximo, este último testemunho digno da sua amizade e da grandeza dos seus gênios. Será para ele uma oportunidade de pensar novamente em termos de mármore e de pedra. Voltando a pegar no cinzel, reencontra a emoção. Esboça vários projetos.

Quando o cardeal de Médicis acende ao pontificado sob o nome de Leão X, os herdeiros de Júlio II fazem novamente apelo a Michelangelo, que trabalha na solidão da sua oficina perto do fórum de Trajano, no próprio coração da Antiguidade ressuscitada, e a 6 de Maio de 1513 é assinado um contrato. Escolhem um novo local: a Capela Sistina.

Michelangelo conservou as linhas gerais do primeiro projeto, mas introduz-lhe algumas modificações. Será ainda mais imponente, e, desta vez, ficará encostado à parede. O número de estátuas aumenta. Em 1516, novo contrato. Novo projeto. Do templo inicial nada resta. O monumento reduz-se a uma fachada com dois pisos e todo o seu significado muda. Em Outubro de 1526 elebora um projeto que não obtém qualquer êxito junto dos herdeiros de Júlio II e que está longe de acalmar a sua cólera. Aliás, tão insatisfeito como eles, não tardará também a abandoná-lo. Novo contrato em 1532 e quinto projeto. O túmulo será colocado na Igreja de San Pietro in Vincoli e deverá compreender, conforme as cláusulas, além das novidades, tudo o que já foi esculpido de 1505 a 1513, ou seja, desde que Michelangelo começou a executar o primeiro projeto. Mas só em 1545 as estátuas são finalmente colocadas.

Entretanto um novo papa, Paulo III, tinha encarregado o artista da execução do afresco do Juízo Final. E só o Moisés executado para o primeiro projeto entrará na realização do último, enquadrado pelas figuras de Raquel e de Lia (Fides e Caritas), enquanto na parte superior ficará a Virgem e o Menino, dominando o papa deitado num sarcófago, segundo a tradição.

Os escravos e as vitórias desapareceram; das personagens que tinham já sido executadas para o projeto de 1513, encontram-se atualmente no Louvre o Escravo Morimbundo e o Escravo Rebelde, onde foram parar depois de uma história aventurosa.

Tal como é, o túmulo de Júlio II ergue-se na Igreja de San Pietro in Vincoli segundo o último dos projetos do artista, dominado pelo esplendor de Moisés rodeado das figuras de Raquel (a Vida Contemplativa) e de Lia (a Vida Ativa). No centro do monumento ergue-se a Virgem e o Menino, dominando a imagem do papa estendido no sarcófago, tal como estava previsto. Nela se vê a alegoria da libertação da alma deixando o seu invólucro carnal. A única personagem verdadeiramente digna da grandeza de Júlio II, assim como das concepções geniais de Michelangelo, é o Moisés, cuja figura grandiosa deixa na sombra tudo o que o cerca e que se tornou célebre assim que foi exposto à admiração do público. Símbolo das Tábuas da lei e da Justiça, a figura de Moisés continua a erguer-se viva, apesar dos séculos. Em Michelangelo é o humanismo que ele encarna, tornando-se assim um novo reflexo do espírito da Renascença. Michelangelo, num querer fogoso e sobre-humano, identifica-se a Moisés como outrora se identificara a David. É o mesmo orgulho, o mesmo desprezo, a mesma vontade, que se lêem nos traços do majestoso e poderoso ancião e no rosto do jovem Gigante, igualmente vencedores.

O novo papa, Giovanni de Médicis, que reina com o nome de Leão X, é filho de Lourenço de Médicis. Michelangelo conheceu-o quando era protegido do Magnífico. Era apenas uma criança, mas desde muito novo fora iniciado por seu pai na via dos poderes eclesiásticos que haviam de o levar à consagração suprema, ao Pontificado. Leão X foi uma das personalidades mais importantes da Renascença Italiana, tanto do ponto de vista intelectual como do ponto de vista artístico ou religioso. Do ponto de vista religioso, o seu pontificado é marcado pelo nascimento da Reforma. Leão X tinha atraído sobre si o desprezo e o ódio de Martinho Lutero, regateando as indulgências.

O túmulo de Júlio II, neste momento, de que os seus herdeiros já não querem saber, fica inacabado.

Apesar de tudo, Leão X em breve pensará em Michelangelo, e, renovando o gesto de Júlio II, não é ao escultor que ele se dirige. Júlio II tinha feito de Michelangelo um pintor, Leão X fará dele um arquiteto. Arrancando o artista à sua solidão e ao seu colóquio com as estátuas do túmulo, envia-o a Florença para dar à Igreja de San Lorenzo uma fachada digna dela e da grandeza dos Médicis.

A 2 de Maio de 1517 escreve de Carrara a Domenico Buoninsegni: "... Sinto-me capaz de fazer para a fachada de San Lorenzo uma obra que seja o espelho da arquitetura e da escultura de toda a Itália ..."

A 10 de Março de 1520, o papa anula o contrato; Michelangelo sente com isto a mais dolorosa humilhação. As fadigas, os ferimentos do orgulho e as preocupações não serviriam para nada. Foi em vão que elaborou os projetos. A fachada de San Lorenzo nunca será construída.

O assunto das indulgências está longe de se resolver e o que Leão X julgou ser a princípio uma querela de monges tornou-se um problema de primeira importância. Trata-se de nada menos que um verdadeiro conflito entre Lutero e o Vaticano. A 3 de Janeiro de 1521, Leão X excomungava Lutero. Ao morrer onze meses mais tarde, a situação não melhora.

Sucede-lhe Adriano VI, um flamengo vindo de Utreque que nada tem de apreciador de arte e ainda menos de mecenas. Se escandaliza com os nus da Sistina, dedica-se à tarefa de tentar reformar o clero e os seus costumes, mas reina apenas por um ano, deixando ao morrer o trono pontifical a outro Médicis, que toma o nome de Clemente VII. Sobrinho de Lourenço, o Magnífico, este é filho natural de Júlio de Médicis.

Clemente VII, por sua vez, usará também e abusará da sua força. Começa por interromper a execução do túmulo de Júlio II. Michelangelo tem igualmente de abandonar um trabalho que começou: um Cristo que lhe encomendara Metello Vari e que os seus alunos Pietro Urbano e Frederigo Frizzi se encarregarão de terminar. O contrato assinado entre Metello e Michelangelo, datado de 1514, especifica que se tratará "de uma figura de mármore de um Cristo em tamanho natural, nu, em pé, com uma cruz nos braços, na pose que Michelangelo julgasse conveniente".

Enquanto Michelangelo se isola na sua oficina de escultor, Clemente VII, continuando assim a política artística de Leão X, encarrega Rafael de encomendas e cumula-o de honras. Depois de ter sofrido com os êxitos do rival que via em Leonardo da Vinci, Michelangelo vê agora oporem-lhe o jovem Rafael, que triunfa no Vaticano.

A Sagrestia Vecchia da igreja inacabada de San Lorenzo conta-se entre as mais puras realizações da Renascença e dos mais felizes êxitos de Brunelleschi. Abriga as obras de Donatello e de Verrocchio. Uma capela também inacabada serve-lhe de par, e é essa que Clemente VII escolhe para colocar o túmulo dos Médicis.

Michelangelo apresenta ao papa uma série de projetos; o primeiro tem como ponto comum com um dos que tinha executado a princípio para o túmulo de Júlio II o ser uma construção autônoma colocada no centro do edifício. Na realização final, os túmulos, concebidos como fachadas, integrar-se-ão na capela mais do que se adossarão às paredes.

Cansado e doente, Michelangelo parece prestes a abandonar o trabalho. Considera-se culpado em relação a Júlio II e em relação aos seus herdeiros, pois faltou à sua palavra e o monumento não corresponde ao que eles esperavam. Por fim um projeto definitivo é apresentado a Clemente VII e aceite por este em Janeiro de 1521. Mas só em 1524 é que os trabalhos começam, pois foi preciso esperar a chegada dos blocos de mármore provenientes de Carrara.

Quando se penetra na Capela dos Médicis, uma intensa impressão de recolhimento emana do conjunto. As estátuas parecem dotadas de uma vida própria absolutamente misteriosa que nos parece estranha e que nenhum comentário, nenhum estudo, saberiam distrair desse longo diálogo com o Invisível que parece ter começado. O grande poema da morte inscreve-se na brancura cristalina de onde surgem as inesquecíveis figuras de Lourenço e de Juliano de Médicis, enquadradas por outras não menos extraordinárias das quatro fases da vida: a Aurora, o Crepúsculo, o Dia e a Noite.

A Aurora, o Crepúsculo, o Dia e a Noite são as alegorias do Tempo implacável que submete o homem ao seu destino e contra o qual toda a rebelião é inútil e impossível. Finalmente, as estátuas de Lourenço e Juliano dirigem o olhar para o centro desta vasta composição: a Virgem e o Menino. A vontade dinâmica de Michelangelo aplicou-se não só ao mundo das estátuas, mas também ao espaço em que as colocou.

Por cima das figuras alegóricas o Tempo erguem-se, fixadas no seu destino e na sua eternidade de pedra, as estátuas de Lourenço de Médicis, duque de Urbino, e de Juliano de Médicis, duque de Nemours. As estátuas integram-se no programa iconográfico de Michelangelo, concebido segundo uma tragédia clássica em que ele respeita as regras mais estritas, até a da unidade no tempo, pois a presença das alegorias permite-nos afirmar que a regra das vinte e quatro horas é igualmente seguida.

Quando observaram ao escultor que as imagens que ele dera de Lourenço e de Juliano se pareciam pouco – para não dizer nada – com os seus verdadeiros rostos, este respondeu com altivez: "daqui a dez séculos quem é que dará por isso?" Apesar das suas angústias e inquietações, é evidente que Michelangelo tinha plena consiência do seu gênio e do valor da sua obra.

Depois do saque de Roma, a revolução de 1523 vai expulsar os Médicis de Florença. O regime republicano novamente instaurado vai durar três anos. Será a última República de Florença.

Michelangelo é escolhido pelo gonfaloneiro Niccolo Capponi para participar nos trabalhos do Governo revolucionário provisório. A atmosfera que reina sobre a cidade lembra estranhamente a dos dias sombrios do reino de Savonarola, de quem Capponi foi um fiel partidário. Mas Capponi não fica muito tempo no poder. É substituído por Carducci, que imediatamente nomeia Michelangelo chefe das fortificações, explorando assim com habilidade o patriotismo do artista, os seus talentos de arquiteto, e o homem de ação que nele viu.

Michelangelo começa logo com os trabalhos: levanta muralhas, edifica baluartes, fazendo deitar a baixo ruas inteiras, que serão substituídas pela muralha fortificada que há-de salvar a cidade dos ataques inimigos. Vai de Florença a Pisa, a Liorne, a Arezzo e a Cortona, todas elas cidades dependentes da República Florentina. Estabelece planos e orienta os operários. Incansável, vê realizarem-se pelo menos uma vez rapidamente os projetos que cria. Vê materializarem-se na pedra alguns dos seus sonhos.

Politicamente Florença está cada vez mais isolada. Malatesta Baglioni tomou a chefia do exército florentino. Homem hábil, sem escrúpulos, explora as querelas interiores e alimenta-as para melhor assegurar a sua autoridade. Prestes a trair, apenas vê um obstáculo para os seus funestos projetos: a presença clarividente de Michelangelo. É dada ordem de o assassinarem. Prevenido, este é obrigado a fugir. Ei-lo uma vez mais galopando pelas estradas acompanhado por três amigos: Rinaldo Corsini, Giovan Baldassare e Antonio Mini. Acolhe-o uma cidade: Veneza.

O Outono torna mais dolorosa a sua melancólica nostalgia. A tristeza invade-lhe a alma. No mês de Novembro não aguenta mais. Regressa a Florença. A cidade continua a resistir aos assaltantes, ao abrigo das suas muralhas. Mas os homens de armas do príncipe de Orange aproximam-se perigosamente. Michelangelo recomeça a trabalhar na sua tarefa de arquiteto das fortificações. Troam os canhões. No dia 12 de Agosto de 1530 as portas da cidade abrem-se ao inimigo: Baglioni traiu. Os Médicis vão reconquistar o poder. Para Michelangelo a paz significa o retorno aos seus utensílios abandonados, o escopro e o martelo, o regresso aos blocos de mármore que esperam na luz da oficina. Vai recomeçar a trabalhar na Capela dos Médicis.

Ao mesmo tempo que esculpe o seu David-Apolo, executa para o duque de Ferrara Leda e o Cisne, mas o dá em seguida a Antonio Mini, seu aluno e amigo.

Clemente VII morre a 25 de Dezembro de 1534. Michelangelo perde o seu defensor. Quantas vezes não tinha o papa intervido em seu favor, muito em especial junto ao duque Alexandre, seu sobrinho, que detestava o artista e facilmente o teria mandado assassinar. Renuncia a fazer do túmulo dos Médicis a obra-prima que tinha imaginado. De renúncia em renúncia, de decepção em decepção, a vida passa, poupando contudo essas praias lisas e doces que são os instantes de felicidade.

Michelangelo conhece a ameaça que pesa sobre Florença, e quando deixa a cidade, é uma partida definitiva. Não voltará mais. Não mais verá os jogos cinzentos e azuis, infinitos, do céu e das nuvens refletidas pelo Arno. A 23 de setembro chega a Roma.

O Vaticano não tardará a mandar chamar Michelangelo. Clemente VII acaba de morrer. Sucede-lhe Alexandre Farnese, eleito papa por unanimidade de sufrágios sob o nome de Paulo III. Michelangelo terá agora de consagrar os seus esforços à grandeza dos Farnese.

A cúpula da Capela Sistina assistira ao nascimento do homem e do Universo, a parede assistirá à sua ruína suprema. Michelangelo terá de conceber e pintar o Juízo Final, que testemunhará perante o mundo o poder de Deus precipitando as criaturas num turbilhão impossível.

O afresco do Juízo Final, para o qual Michelangelo amontoa esboços e desenhos, constitui o coração do seu sonho. Nessa tragédia desenrola-se o combate mais feroz que Deus e os homens conheceram e que ele precipita na sua noite.

Michelangelo começa a pintar o afresco do Juízo Final em 1536. Ei-lo diante da parede vazia e nua, sob o olhar dos gigantes com que povoou o teto por cima de si. Volta aos andaimes. Volta aos pincéis e à cor, se todavia se pode dar esse nome brilhante às tintas baças e lívidas que ele utiliza. Nunca esqueceu o seu desprezo pela pintura de paisagens, e esse desprezo traduz-se na sua obra por uma ausência total.

Do afresco do Juízo Final emana um pessimismo que não encontramos anteriormente na obra de Michelangelo. Foi terminado no dia 31 de Outubro de 1541. Assim que se tornou acessível ao público, artistas não só italianos mas também estrangeiros afluíram à Capela Sistina a fim de estudar e copiar os nus pintados por Michelangelo.

Cerca de 1536, Michelangelo conhece em Roma uma mulher ainda jovem, de traços regulares e bastante bela, cujo espírito é célebre e brilha num círculo de amigos letrados e artistas, que ela gosta de reunir à sua volta. Vittoria Colonna, casada aos 17 anos com Ferrante Francesco d’Avalos, marquês de Pescara, é viúva desde os 35. Consagrou-se à poesia, pela qual sempre tinha sentido certa inclinação, e à religião, chegando mesmo a encarar a hipótese de se retirar para um convento.

Logo desde o primeiro encontro, as suas conversas elevam-se ao alto nível dos seus espíritos e das suas almas. A religião encontra-se no âmago das suas preocupações comuns, e é através dela que se ligam os laços desta amizade.

O seu encontro com Vittoria Colonna vai igualmente precipitar em Michelangelo a inspiração poética. Dedica-lhe desenhos e também sonetos em que traduz os sentimentos puros e apaixonados que ela provoca:

... Assim possa eu dar-nos a ambos longa vida,

como me convier, pela cor ou pela forma,

fixando os nossos rostos,

a fim de que mil anos depois da nossa partida derradeira

se saiba como sois bela e que miséria

era a minha, e quantas razões eu tinha para vos amar.

Quando se conhece a natureza profunda de Michelangelo em toda a sua ambiguidade, a sua preferência pelos jovens e especialmente o seu amor por Tommaso Cavalieri, não é de se espantar que os sentimentos que nutria por Vittoria colonna tenham permanecido perfeitamente platônicos, apesar do seu caráter apaixonado. Enquanto envia estes versos a Vittoria:

... Encontrando pois em ti que falas para mim

a graça que dispensas às minhas penas,

dessa graça te agradeço neste escrito...

é a Tommaso Cavalieri que escreve, descrevendo-se a si mesmo:

Com um coração de enxofre, uma carne de estopa,

Ossos semelhantes a madeira seca,

Uma alma sem guias e sem freio,

Um desejo vivo de mais, e demasiada paixão...

ou então isto, que revela a profundidade da sua paixão:

Se uma só alma em dois corpos se faz eterna,

Erguendo-os ao céu num mesmo vôo,

Se o amor consome e separa a carne de dois peitos

Com o mesmo golpe e o mesmo traço doirado,



Se se amam um ao outro sem nenhum deles se amar,

Com um só gosto, uma mesma delícia de tal modo

Que tendem ambos para o mesmo fim,



Se mil e mil amores não são a centésima parte

De um tal estado de amor e de uma tão grande fé,

Chegará um despeito para os romper e separar?



Oh! Feliz dia se esta esperança for certa!

Que parem num momento o tempo e suas horas,

O dia e o sol no seu antigo percurso...

Para Vittoria Colonna, como para Tommaso Cavalieri, Michelangelo desenha, escreve e pinta. Quando Vittoria morreu, Michelangelo estava perto dela. Não procura dissimular o desgosto que sente e que o dilacera. Põe todas as suas esperanças na sobrevivência da alma:

... Mas hoje, que a morte se não envaideça como faz com os outros,

Por ter extinguido este sol dos sóis,

Porque ela foi vencida pelo amor que a faz reviver

Na terra e nos céus entre os outros santos ...

Paulo III pedira a Michelangelo para executar dois afrescos: a Conversão de São Paulo e a Crucificação de São Pedro. Qualquer deles não precisará de menos de três anos de trabalho. Desta vez Michelangelo reencontrou o encanto das cores. Nada há de tenra frescura destes verdes que possa lembrar as harmonias escuras do Juízo Final.

Michelangelo tinha quase 75 anos quando acabou estes afrescos. Das últimas obras que pintou estas serão as mais importantes. Tendo terminado a decoração da Capela Paolina, começa a trabalhar num cartão representando a Epifania.

O seu isolamento ao mesmo tempo ganha uma auréola de misticismo. Todos os seus amigos desapareceram. Viu onze papas reinarem e morrerem uns após outros. Confia o seu desgosto a seu irmão Leonardo, numa carta datada de 4 de Dezembro de 1555: "Informo-te de que ontem à noite, 3 de Dezembro, às 4 horas, Francesco, conhecido por Urbino, morreu, para meu grande desgosto. Isso deixou-me tão aflito e perturbado que, por causa do amor que lhe tinha, ter-me-ia sido mais doce morrer com ele. Não merecia menos. Tinha-se tornado um homem de valor, cheio de fé e de lealdade. Desde que morreu, parece-me que estou sem vida; não consigo encontrar paz".

A 1 de Janeiro de 1547, Michelangelo é nomeado arquiteto de São Pedro. Sucede Bramante, Rafael, Fra Giocondo, Sangallo e Peruzzi, e subitamente transforma-se de novo na sua função de artista. Do escultor, Júlio II fizera um pintor. Do escultor e do pintor, Paulo III fazia um arquiteto.

Michelangelo não chegaria a ver o seu projeto realizado porque viria a morrer em 1564, e os seus planos, prosseguidos por Giacomo della Porta, só foram executados entre 1588 e 1590.

Michelangelo tem agora 89 anos, mas não pensa nunca em descansar, em considerar a sua obra como acabada e definitiva. Não cessa nunca de transformar-se. Começa uma outra Pietá, que será conhecida por Rondanini. Será a sua última obra e trabalhará nela até à véspera da sua morte, não se resignando a abandonar os instrumentos e o mármore, que encerra as formas imprevisíveis que durante toda a vida tentou libertar da sua prisão cristalina.

Instalado na sua oficina, rodeado pelos mármores e as maquetas, o velho artista entrega-se à morte:

Eis que o fim da minha vida chegou

Por mar tempestuoso e em barca frágil

Ao porto comum onde temos que desembarcar

Para dar contas e razões da obra de bem e de mal ...

A febre enche-o de arrepios. Está rodeado pelos amigos, que o vigiam e assistem: Daniele de Volterra, Leone Leoni e sobretudo, querido entre todos pela sua fiel presença, Tommaso Cavalieri.

A 18 de fevereiro de 1564, às 5 horas da tarde, Michelangelo morre. Pouco depois, a Vitória que Michelangelo esculpira para o túmulo de Júlio II foi posta sobre o seu túmulo, em Florença, como testemunho do seu gênio.

Aos 77 anos, recriminou um compatriota por endereçar carta "Ao escultor Miguel Ângelo"; disse que era conhecido unicamente como Miguel Ângelo Buonarroti e que não era pintor ou escultor no sentido de ter uma loja.

"... Embora tenha servido aos papas; mas fiz isso sob compulsão."

Pesquisa de Francinaldo A. dos Santos.



Quadro cronológico de obras

1475 – nasceu em Caprese no dia 6 de março.

1478 – conspiração dos Pazzi contra os Médici.

1481 – falece sua mãe.

1483 – nascem Rafael, Ralelais e Lutero.

1488 – no dia 1º de março, em Florença, entrou como aprendiz na oficina do pintor Domenico Ghirlandajo.

1489 – entrou na escola de escultura de Bertoldo.

1490 – saiu da oficina de Ghirlandajo.

1492 – aos 17 anos, esculpiu A Batalha Dos Centauros.

1494 – Faleceu Ghirlandajo; mudou-se de Florença para Bolonha; esculpiu "Kneeling", São Próculo e São Petrônio; retornou a Florença.

1496 – em 25 de junho, mudou-se para Roma.

1497 – esculpiu Baco.

1499 – esculpiu Pietá.

1501 – retornou a Florença; esculpiu Madona de Bruges; iniciou as esculturas Davi, São Mateus e o conjunto São Pedro e São Paulo.

1504 – participou em uma competição, contra Leonardo Da Vinci, de murais contando a história de Florença, patrocinada pela cidade – ambos não prosseguiram devido aos compromissos; pintou Doni Tondo; concluiu Davi e o conjunto São Pedro e São Paulo.

1505 – esculpiu o relevo Pitti Madonna; em março, retorna à Roma para a confecção, em mármore, do túmulo do Papa Julius II.

1506 – esculpiu o alto relevo Taddei Madonna; concluiu São Mateus; no dia 17 de abril, retorna à Florença, decepcionado com o Papa Julios II pelo interrompimento do túmulo; em novembro, foi contratado para fazer uma estátua de bronze do Papa Julius.

1508 – foi contratado, a contragosto, pelo Papa Julius para realizar um gigantesco afresco no teto da Capela Sistina e aceitou para provar a todos do que era capaz.

1512 – em setembro, os Médici retomam o poder em Florença; em outubro, conclui a magnífica obra na Capela Sistina e retorna aos seus blocos de mármore.

1513 – com o falecimento do papa Julios II, viu-se obrigado a trabalhar novamente em seu túmulo e iniciou as esculturas Escravo Agonizante, Escravo Rebelde e Moisés.

1515 – concluiu Moisés.

1516 – concluiu Escravo Agonizante e Escravo Rebelde, assim concluindo o túmulo do Papa Julius II; foi contratado pelo Papa Leo X, Giovanni de’Medici, para construir a fachada de San Lorenzo, em Florença.

1519 – faleceu Leonardo Da Vinci; esculpiu Jesus Cristo.

1520 – faleceu Rafael; iniciou sua obra escultórica e arquitetônica Túmulo de Giuliano de’Medici, Duque de Nemours e Túmulo de Lorenzo de’Medici, Duque de Urbino.

1521 – esculpiu Madona e a Criança.

1524 – esculpiu Crouching Boy.

1526 – esculpiu Apolo.

1527 – com o saque de Roma pelas tropas imperiais, instalou-se em Florença; Os Medici caem em Florença.

1530 – as tropas imperiais e papais capturam Florença e promovem a restauração do poder dos Medici; pintou Leda and the Swan.

1531 – esculpiu Atlas e Captives.

1533 – desenhou The Fall of Phaeton e esculpiu A Vitória.

1534 – conclui os conjuntos Túmulo de Giuliano de’Medici e Túmulo de Lorenzo de’Medici; ao falecer seu pai, instala-se definitivamente em Roma.

1535 – é nomeado, pelo Papa Paulo III, chefe dos trabalhos arquitetônicos, escultóricos e pictóricos do Palácio do Vaticano.

1536 – iniciou o afresco Julgamento Final, agora na parede frontal interna da Capela Sistina.

1538 – publicação dos poemas de Vittoria Colonna.

1541 – concluiu o Julgamento Final.

1542 – esculpiu ‘Raquel e Léia’ e ‘Brutus’; iniciou afrescos na capela Paolina; o Papa Paulo IV restaura a Inquisição.

1545 – concluiu a pintura Conversão de São Paulo; foi acusado de imoral por Aretino.

1546 – iniciou a pintura Crucificação de São Pedro; morre Lutero e inicia-se a Contra-reforma.

1547 – é apontado como chefe arquitetônico de São Pedro; morrem Vitorria Colonna e Sebastiano del Piombo.

1550 – concluiu os afrescos da Capela Paolina e a Crucificação de São Pedro; iniciou a Deposição de Florença; a partir daqui, aos 75 anos, passou a dedicar-se, em primeiro plano, à arquitetura.

1551 – escreveu uma coletânea de rimas e, em março, Vasari escreveu "A Vida De Michelangelo".

1552 – recriminou carta endereçada "Ao escultor Miguel Ângelo".

1553 – em julho, Condivi publicou "Biografia de Michelangelo".

1555 – iniciou a escultura ‘Rondanini Pietá’ onde trabalhou até data da sua morte; concluiu a Deposição de Florença.

1558 – fez seu modelo para a cúpula de São Pedro.

1564 – faleceu no dia 18 de Fevereiro em Roma; nasce Shakeaspire.



Bibliografia

AGONIA E ÊXTASE (The Agony and the Ecstasy); drama inglês; dirigido por Carol Reed e Charlton Heston, como Michelangelo, e Rex Harrison, como Papa Julius II. 120 minutos, colorido, 1965.
ARBOUR, Renée; Miguel Ângelo. São Paulo, Verbo, 1999.
BENTON, William; Enciclopédia Barça.1967.
ENCICLOPÉDIA Ilustrada de Pesquisa Conhecer 2000; São Paulo, Nova Cultural, 1995. Fascículo 40: Artes 1ª parte e 2ª parte.
GOLDSCHEIDER, L.; The World of Michelangelo. 1960.
GOLDSCHEIDER, L.; The Paintings of Michelangelo. 1963.
GOMBRICH, E. H.; A História da Arte. Rio de Janeiro, Guanabara, 4ª edição, 1989.
MARTINDALE, Andrew; O Mundo da Arte. Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações LTDA; Coleção O Mundo da Arte – Enciclopédia das Artes Plásticas em Todos os Tempos. 10 volumes.
PROENÇA, Graça; História da Arte. São Paulo, Editora Ática, 1999. 14ª edição.
TENENTI, Alberto. Florença na Época dos Médici: da Cidade ao Estado.

Obra de Michelangelo

Michelangelo ("Miguel Ângelo") di Ludovico Buonarroti Simoni

Italiano, pintor, escultor, arquiteto renascentista e poeta.


sexta-feira, 11 de março de 2011

História da Arte do Brasil - Pré-História ( de 15.000 a 3.000 a.C.) ao Pós-modernismo ( década de 1990 )

Artes Plásticas na Pré-História ( de 15.000 a 3.000 a.C.) no Brasil

As pinturas rupestres (em paredes de cavernas) mais antigas do Brasil foram encontradas na Serra da Capivara, no estado do Piauí. Na época entre 5000 a.C e 1100, povos da Amazônia fabricaram objetos de enfeites e de cerâmica Destacam-se os vasos de cerâmica da ilha de Marajó e do rio Tapajós. A arte plumária (com penas de pássaros) feitas por índios e a pintura corporal, usando tintas derivadas da natureza, representam importantes exemplos da arte indígena.

Artes Plásticas na Pré-História ( de 15.000 a 3.000 a.C.)

Artes Plásticas na Pré-História ( de 15.000 a 3.000 a.C.)
As pinturas rupestres (em paredes de cavernas) mais antigas do Brasil foram encontradas na Serra da Capivara, no estado do Piauí. Na época entre 5000 a.C e 1100, povos da Amazônia fabricaram objetos de enfeites e de cerâmica Destacam-se os vasos de cerâmica da ilha de Marajó e do rio Tapajós. A arte plumária (com penas de pássaros) feitas por índios e a pintura corporal, usando tintas derivadas da natureza, representam importantes exemplos da arte indígena.

Artes Plásticas no início da colonização (séculos XV e XVI ) no Brasil

Junto com os portugueses, chegam ao país influências artísticas renascentistas e do começo da fase barroca. Na época em que os holandeses invadiram o nordeste brasileiro e lá permaneceram (de1630 a 1654), muitos artistas retratam a paisagem, os índios, os animais, as flores e o cotidiano do Nordeste. Na época do governo de Mauricio de Nassau, chegam ao Brasil muitos pintores, entre eles o paisagista Frans Post. Este artista holandês usa técnicas de luz e cor típicas da pintura holandesa e retrata desta forma os cenários do nordeste do Brasil, no século XVII.

A arte da Pré-História brasileira

O Brasil possui valiosos sítios arqueológicos em seu território, embora nem sempre tenha sabido preservá‑los. Em Minas Gerais, por exemplo, na região que abrange os municípios de Lagoa Santa, Vespasiano, Pedro Leopoldo, Matosinhos e Prudente de Moraes, existiram grutas que traziam, em suas pedras, sinais de uma cultura pré‑histórica no Brasil. Algumas dessas grutas, como a chamada Lapa Vermelha, foram destruídas por fábricas de cimento que se abasteceram do calcário existente em suas entranhas. Além dessas cavernas já destruídas, muitas outras encontram‑se seriamente ameaçadas.
Das grutas da região, a única protegida por tombamento do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) é a gruta chamada Cerca Grande. Ela é considerada importante monumento arqueológico por causa de suas pinturas rupestres e de fósseis descobertos em seu interior, indicadores de antigas culturas existentes em nosso país.
Naturalismo e Geometrismo: as duas faces da arte rupestre no Brasil

No sudeste do Estado do Piauí, município de São Raimundo Nanato, há um importante sítio arqueológico onde, desde 1970, diversa pesquisadores vêm trabalhando. Em 1978, uma missão franco‑brasileira coletou uma grande quantidade de dados e vestígios arqueológicos. Esses cientistas chegaram conclusões esclarecedoras a respeito de grupos humanos que habitaram a região por volta do ano 6 000 a.C., ou talvez numa época mais remata ainda. Segundo as pesquisas, os primeiros habitantes da área de São Raimundo Nonato ‑ provavelmente caçadores‑coletores, nômades e seminômades ‑ utilizavam as grutas da região como abrigos ocasionais A hipótese mais aceita, portanto, é a de que esses homens foram os autores das obras pintadas e gravadas nas grutas da região. Os pesquisadores classificaram essas pinturas e gravuras em dois grandes grupos: obras com motivos naturalistas e obras com motivos geométricos. Entre as primeiras predominam as representações de figuras humanas que aparecem ora isoladas, ora participando de um grupo, em movimentadas cenas de caça, guerra e trabalhos coletivos. No grupo dos motivos naturalistas, encontram‑se também figuras de animais, cujas representações mais freqüentes são de veados, onças, pássaros diversos, peixes e insetos.As figuras com motivos geométricos são muito variadas: apresestam linhas paralelas, grupos de pontos, círculos, círculos concêntrico, cruzes, espirais e triângulos.A partir do estudo dos vestígios arqueológicos encontrados em São Raimundo Nonato, os estudiosos levantaram a hipótese da existência de um estilo artístico denominado Várzea Grande). Esse estilo tem como característica a utilização preferencial da cor vermelha, o predomínio dos motivos naturalistas, a representação de figuras antropomorfas e zoomorfas (com corpo totalmente preenchido e os membros desenhados com traços) e a abundância de representações animais e humanas de perfil. Nota‑se também a freqüente presença de cenas em que participam numerosas personagens, com temas variados e que expressam grande dinamismo. As pesquisas científicas de antigas culturas que existiram no Brasil, a partir das descobertas realizadas no sudeste do Piauí, abrem uma perspectiva nova tanto para a historiografia como para a arte brasileiras. Esses fatos nos permitem ver mais claramente que a história de nosso país está ligada à história do mundo todo, e que as nossas raízes são muito mais profundas do que o limite inicial de uma data, no tão próximo século XV
A arte dos índios brasileiros
Na época do descobrimento, havia em nosso país cerca de 5 milhões de índios. Hoje, esse número caiu para aproximadamente 200 000. Mas essa brutal redução numérica não é o único fator a causar espanto nos pesquisadores de povos indígenas brasileiros. Assusta‑os também a verificação da constante ‑ e agora já acelerada ‑destruição das culturas que criaram, através dos séculos, objetos de uma beleza dinâmica e alegre.

Uma arte utilitária

A Primeira questão que se coloca em relação à arte indígena é defini­-la ou caracterizá‑la entre as muitas atividades realizadas pelos índios

Quando dizemos que um objeto indígena tem qualidades artísticas, podemos estar lidando com conceitos que são próprios da nossa civilização, mas estranhos ao índio. Para ele, o objeto precisa ser mais perfeito na sua execução do que sua utilidade exigiria. Nessa perfeição para além da finalidade é que se encontra a noção indígena de beleza. Desse modo, um arco cerimonial emplumado, dos Bororo, ou um escudo cerimonial, dos Desana podem ser considerados criações artísticas porque são objetos cuja beleza resulta de sua perfeita realização.
Outro aspecto importante a ressaltar: a arte indígena é mais representativa das tradições da comunidade em que está inserida do que da personalidade do indivíduo que a faz. É por isso que os estilos da pintura corporal, do trançado e da cerâmica variam significativamente de uma tribo para outra.

O período pré-cabralino: a fase Marajoara e a cultura Santarém

A Ilha de Marajó foi habitada por vários povos desde, provavelmente, 1100 a.C. De acordo com os progressos obtidos, esses povos foram divididos em cinco fases arqueológicas. A fase Marajoara é a quarta na seqüência da ocupação da ilha, mas é sem dúvida a que apresenta as criações mais interessantes.
A fase Marajoara
A produção mais característica desses povos foi a cerâmica, cuja modelagem era tipicamente antropomorfa. Ela pode ser dividida entre vasos de uso doméstico e vasos cerimoniais e funerários. Os primeiros são mais simples e geralmente não apresentam a superfície decorada. Já os vasos cerimoniais possuem uma decoração elaborada, resultante da pintura bicromática ou policromática de desenhos feitos com incisões na cerâmica e de desenhos em relevo.


Dentre os outros objetos da cerâmica marajoara, tais como bancos, colheres, apitos e adornos para orelhas e lábios, as estatuetas representando seres humanos despertam um interesse especial, porque levantam a questão da sua finalidade. Ou seja, os estudiosos discutem ainda se eram objetos de adorno ou se tinham alguma função cerimonial. Essas estatuetas, que podem ser decoradas ou não, reproduzem as formas humanas de maneira estilizada, pois não há preocupação com uma imitação fiel da realidade.
A fase Marajoara conheceu um lento mas constante declínio e, em torno de 1350, desapareceu, talvez expulsa ou absorvida por outros povos que chegaram à Ilha de Marajó.
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Cultura Santarém

Não existem estudos dividindo em fases culturais os povos que ao longo do tempo habitaram a região próxima à junção do Rio Tapajós com o Amazonas, como foi feito em relação aos povos que ocuparam a Ilha de Marajó. Todos os vestígios culturais encontrados ali foram considerados como realização de um complexo cultural denominado "cultura Santarém".
A cerâmica santarena apresenta uma decoração bastante complexa, pois além da pintura e dos desenhos, as peças apresentam ornamentos em relevo com figuras de seres humanos ou animais.
Um dos recursos ornamentais da cerâmica santarena que mais chama a atenção é a presença de cariátides, isto é, figuras humanas que apóiam a parte superior de um vaso

Além de vasos, a cultura Santarém produziu ainda cachimbos, cuja decoração por vezes já sugere a influência dos primeiros colonizadores europeus, e estatuetas de formas variadas. Diferentemente das estatuetas marajoaras, as da cultura Santarém apresentam maior realismo, pois reproduzem mais fielmente os seres humanos ou animais que representam.
A cerâmica santarena refinadamente decorada com elementos em relevo perdurou até a chegada dos colonizadores portugueses. Mas, por volta do século XVII, os povos que a realizavam foram perdendo suas peculiaridades culturais e sua produção acabou por desaparecer.

As culturas indígenas

Apesar de terem existido muitas e diferentes tribos, é possível identificar ainda hoje duas modalidades gerais de culturas indígenas: a dos silvícolas, que vivem nas áreas florestais, e a dos campineiros, que vivem nos cerrados e nas savanas.
Os silvícolas têm uma agricultura desenvolvida e diversificada que, associada às atividades de caça e pesca, proporciona‑lhes uma moradia fixa. Suas atividades de produção de objetos para uso da tribo também são diversificadas e entre elas estão a cerâmica, a tecelagem e o trançado de cestos e balaios.
Já os campineiros têm uma cultura menos complexa e uma agricultura menos variada que a dos silvícolas. Seus artefatos tribais são menos diversificados, mas as esteiras e os cestos que produzem estão entre os mais cuidadosamente trançados pelos indígenas.
É preciso não esquecer que tanto um grupo quanto outro conta com uma ampla variedade de elementos naturais para realizar seus objetos: madeiras, caroços, fibras, palmas, palhas, cipós, sementes, cocos, resinas, couros, ossos, dentes, conchas, garras e belíssimas plumas das mais diversas aves. Evidentemente, com um material tão variado, as possibilidades de criação são muito amplas, como por exemplo, os barcos e os remos dos Karajá, os objetos trançados dos Baniwa , as estacas de cavar e as pás de virar beiju dos índios xinguanos.
A tendência indígena de fazer objetos bonitos para usar na vida tribal pode ser apreciada principalmente na cerâmica, no trançado e na tecelagem. Mas ao lado dessa produção de artefatos úteis, há dois aspectos da arte índia que despertam um interesse especial. Trata‑se da arte plumária e da pintura corporal, que veremos mais adiante.
A arfe do trançado e da tecelagem
A partir de uma matéria‑prima abundante, como folhas, palmas, cipós, talas e fibras, os índios produzem uma grande variedade de pe, cestos, abanos e redes .Da arte de trançar e tecer, Darcy Ribeiro destaca especialmente algumas realizações indígenas como as vestimentas e as máscaras de entrecasca, feitas pelos Tukuna e primorosamente pintadas; as admiráveis redes ou maqueiras de fibra de tucum do Rio Negro; as belíssimas vestes de algodão dos Paresi que também, lamentavelmente, só se podem ver nos museus
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Cerâmica

As peças de cerâmica que se conservaram testemunham muitos costumes dos diferentes povos índios e uma linguagem artística que ainda nos impressiona. São assim, por exemplo, as urnas funerárias lavradas e pintadas de Marajó, a cerâmica decorada com desenhos impressos por incisão dos Kadiwéu, as panelas zoomórficas dos Waurá e as bonecas de cerâmica dos Karajá.

Plumária
Esta é uma arte muito especial porque não está associada a nenhum fim utilitário, mas apenas àpura busca da beleza.
Existem dois grandes estilos na criação das peças de plumas dos índios brasileiros. As tribos dos cerrados fazem trabalhos majestosos e grandes, como os diademas dos índios Bororo ou os adornos de corpo, dos Kayapó.

As tribos silvícolas como a dos Munduruku e dos Kaapor fazem peças mais delicadas, sobre faixas de tecidos de algodão. Aqui, a maior preocupação é com o colorido e a combinação dos matizes. As penas geralmente são sobrepostas em camadas, como nas asas dos pássaros.Esse trabalho exige uma cuidadosa execução
Máscaras


Para os índios, as máscaras têm um caráter duplo: ao mesmo tempo que são um artefato produzido por um homem comum, são a figura viva do ser sobrenatural que representam Elas são feitas com troncos de árvores, cabaças e palhas de buriti e são usadas geralmente em danças cerimoniais, como, por exemplo, na dança do Aruanã, entre os Karajá, quando representam heróis que mantêm a ordem do mundo.

A pintura corporal
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As cores mais usadas pelos índios para pintar seus corpos são o vermelho muito vivo do urucum, o negro esverdeado da tintura do suco do jenipapo e o branco da tabatinga. A escolha dessas cores é importante, porque o gosto pela pintura corporal está associado ao esforço de transmitir ao corpo a alegria contida nas cores vivas e intensas.
São os Kadiwéu que apresentam uma pintura corporal mais elaborada Os primeiros registros dessa pintura datam de 1560, pois ela impressionou fortemente o colonizados e os viajantes europeus. Mais tarde foi analisada também por vários estudiosos, entre os quais Lévi‑Strauss, antropólogo francês que esteve entre os índios brasileiros em 1935.
De acordo com Lévi‑Strauss, "as pinturas do rosto conferem, de início, ao indivíduo, sua dignidade de ser humano; elas operam a passagem da natureza à cultura, do animal estúpido ao homem civilizado. Em seguida, diferentes quanto ao estilo e à composição segundo as castas, elas exprimem, numa sociedade complexa, a hierarquia dos status. Elas possuem assim uma função sociológica."


Os desenhos dos Kadiwéu são geométricos, complexos e revelam um equilíbrio e uma beleza que impressionam o observador. Além do corpo, que é o suporte próprio da pintura Kadiwéu, os seus desenhos aparecem também em couros, esteiras e abanos, o que faz com que seus objetos domésticos sejam inconfundíveis.

Fonte de informação
História da Arte
Proença, Graça

História do Artesanato

A história do artesanato tem início no mundo com a própria história do homem, pois a necessidade de se produzir bens de utilidades e uso rotineiro, e até mesmo adornos, expressou a capacidade criativa e produtiva como forma de trabalho.
Os primeiros artesãos surgiram no período neolítico (6.000 a.C) quando o homem aprendeu a polir a pedra, a fabricar a cerâmica e a tecer fibras animais e vegetais.
No Brasil, o artesanato também surgiu neste período. Os índios foram os mais antigos artesãos. Eles utilizavam a arte da pintura, usando pigmentos naturais, a cestaria e a cerâmica, sem esquecer a arte plumária como os cocares, tangas e outras peças de vestuário feitos com penas e plumas de aves.
Imagem: Museu Dom Bosco
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O artesanato pode ser erudito, popular e folclórico, podendo ser manifestado de várias formas como, nas cerâmicas utilitária, funilaria popular, trabalhos em couro e chifre, trançados e tecidos de fibras vegetais e animais (sedenho), fabrico de farinha de mandioca, monjolo de pé de água, engenhocas, instrumentos de música, tintura popular. E também encontram-se nas pinturas e desenhos (primitivos), esculturas, trabalhos em madeiras, pedra guaraná, cera, miolo de pão, massa de açúcar, bijuteria, renda, filé, crochê, papel recortado para enfeite, etc.
O artesanato brasileiro é um dos mais ricos do mundo e garante o sustento de muitas famílias e comunidades. O artesanato faz parte do folclore e revela usos, costumes, tradições e características de cada região.

Tipos de artesanatos brasileiro:
Cerâmica e bonecos de barro
É a arte popular e de artesanato mais desenvolvidas no Brasil e desenvolveu-se em regiões propícias à extração de sua matéria prima - o barro. Nas feiras e mercados do Nordeste, se encontram os bonecos de barro, reconstituindo figuras típicas da região, como os cangaceiros, retirantes, vendedores, músicos e rendeiras.

Renda
A renda, presente em roupas, lenços, toalhas e outros artigos, tem um importante papel econômico nas regiões Norte, Nordeste e Sul, e é desenvolvida pelas mãos das rendeiras.

Entalhando a madeira
É uma manifestação cultural muito utilizada pelos índios nas suas construções de armas, utensílios, embarcações, instrumentos musicais, máscaras e bonecos.
Os artesanatos em madeira produzem objetos diversificados com motivos da natureza, do universo humano e a fantasia. Exemplos disso são as carrancas, ou cabeças-de-proa, os utensílios como cocho, pilão, gamelas e móveis simples e rústicos, os engenhos, moendas, tonéis, carroças e o maior produto artesanal em madeira - contando com poucas partes de metal - são os carros de bois.

Cestas e trançados
A arte de trançar fibras, deixada pelos índios, inclui esteiras, redes, balaios, chapéus, peneiras e outros. Quanto à decoração, os objetos de trançados possuem uma imensa variedade, explorada através de formas geométricas, espessuras diferentes, corantes e outros materiais. Esse tipo de artesanato pode-se encontrar espalhados em diversas regiões do Norte e Nordeste do Brasil como, na Bahia, Mato Grosso, Maranhão, Pará e o Amazonas.

Artesanato indígena
Cada grupo ou tribo indígena tem seu próprio artesanato. Em geral, a tinta usada pelas tribos é uma tinta natural, proveniente de árvores ou frutos. Os adornos e a arte plumária são outro importante trabalho indígena.
A grande maioria das tribos desenvolvem a cerâmica e a cestaria. E como passatempo ou em rituais sagrados, os índios desenvolveram flautas e chocalhos.

O Barroco e o Rococó (séculos XVI ao XIX) no Brasil

Período que se destaca as esculturas e decoração de igrejas com características religiosas. Destacam-se neste período os seguintes artistas: frei Agostinho da Piedade, Agostinho de Jesus, Domingos da Conceição da Silva e frei Agostinho do Pilar.
No auge do século do ouro, as igrejas são decoradas para mostrar o poder da Igreja. A utilização de curvas e espirais prevalecem nas obras deste período. Os artistas utilizam muito matérias-primas típicas do Brasil, tais como: pedra-sabão e madeira. O artista que mais se destacou nesta época foi Aleijadinho.
O barroco, no Brasil, foi introduzido no início do século XVII pelos missionários católicos, especialmente jesuítas, que trouxeram o novo estilo como instrumento de doutrinação cristã. O poema épico Prosopopéia (1601), de Bento Teixeira, é um dos seus marcos iniciais. Atingiu o seu apogeu na literatura com o poeta Gregório de Matos e com o orador sacro Padre Antônio Vieira, e nas artes plásticas seus maiores expoentes foram Aleijadinho, na escultura, e Mestre Ataíde, na pintura. No campo da arquitetura esta escola floresceu notavelmente no Nordeste, mas com grandes exemplos também no centro do país, em Minas Gerais, Goiás e Rio de Janeiro. Na música, ao contrário das outras artes, sobrevivem poucos mas belos documentos do barroco tardio. Com o desenvolvimento do neoclassicismo a partir das primeiras décadas do século XIX a tradição barroca, que teve uma trajetória de enorme vigor no Brasil e foi considerada o estilo nacional por excelência, caiu progressivamente em desuso, mas traços dela seriam encontrados em diversas modalidades de arte até os primeiros anos do século XX.

O modelo europeu e sua transferência para o Brasil

O Barroco foi um estilo de reação contra o classicismo do Renascimento, cujas bases conceituais giravam em torno da simetria, da proporcionalidade e da contenção, racionalidade e equilíbrio formal. Assim, sua estética primou pela assimetria, pelo excesso, pelo expressivo e pela irregularidade, tanto que o próprio termo "barroco", que nomeou o estilo, designava uma pérola de formato bizarro e irregular. Além de uma tendência puramente estética, esses traços constituíram uma verdadeira forma de vida e deram o tom a toda a cultura do período, uma cultura que enfatizava o contraste, o conflito, o dinâmico, o dramático, o grandiloquente, a dissolução dos limites, junto com um gosto acentuado pela opulência de formas e materiais, tornando-se um veículo perfeito para a Igreja Católica da Contra-Reforma e as monarquias absolutistas em ascensão expressarem visivelmente seus ideais. As estruturas monumentais erguidas durante o Barroco, como os palácios e os grandes teatros e igrejas, buscavam criar um impacto de natureza espetacular e exuberante, propondo uma integração entre as várias linguagens artísticas e prendendo o observador numa atmosfera catártica e apaixonada. Assim, para Sevcenko, nenhuma obra de arte barroca pode ser analisada adequadamente desvinculada de seu contexto, pois sua natureza é sintética, aglutinadora e envolvente. Essa estética teve grande aceitação na Península Ibérica, em especial em Portugal, cuja cultura, além de essencialmente católica e monárquica, estava impreganada de milenarismo e do misticismo herdado dos árabes e judeus, favorecendo uma religiosidade caracterizada pela intensidade emocional. E de Portugal o movimento passou à sua colônia na América, onde o contexto cultural dos povos indígenas, marcado pelo ritualismo e festividade, forneceu um pano de fundo receptivo.[1][2]
O Barroco apareceu no Brasil quando já se haviam passado cerca de cem anos de presença colonizadora no território; a população já se multiplicava nas primeiras vilas e alguma cultura autóctone já lançara sementes. O Barroco não foi, assim, o veículo inaugural da cultura brasileira, o Maneirismo cumpriu o papel de iniciador, mas floresceu ao longo da maior parte de sua curta história "oficial" de 500 anos, num período em que os residentes lutavam por estabelecer uma economia auto-sustentável - contra uma natureza selvagem e povos indígenas nem sempre amigáveis - até onde permitisse sua condição de colônia pesadamente explorada pela metrópole. O território conquistado se expandia em passos largos para o interior do continente, a população de origem lusa ainda mal enraizada no litoral estava em constante estado de alerta contra os ataques de índios pelo interior e piratas por mar, e nesta sociedade em trabalhos de fundação se instaurou a escravatura como base da força produtiva.[3]


São Pedro papa, obra-prima da escola portuguesa. Museu de Arte Sacra de São Paulo.
Nasceu o Barroco, pois, num terreno de luta, mas não menos de deslumbramento diante da paisagem magnífica, sentimento que foi declarado pelos colonizadores desde início.[4] Florescendo nos longos séculos de construção de um novo e imenso país, e sendo uma corrente estética e espiritual cuja vida está no contraste, no drama, no excesso, talvez mesmo por isso pôde espelhar a magnitude continental da empreitada colonizadora deixando um conjunto de obras-primas igualmente monumental. O Barroco, então, confunde-se com, ou dá forma a, uma larga porção da identidade e do passado nacionais; já foi chamado de a alma do Brasil.[5] Significativa parte desta herança em arte, tradições e arquitetura hoje é Patrimônio da Humanidade.
O Barroco no Brasil foi formado por uma complexa teia de influências européias e locais, embora em geral coloridas pela interpretação portuguesa do estilo. É preciso lembrar que o contexto econômico em que o Barroco se desenvolveu na colônia era completamente diverso daquele que lhe dava origem na Europa. Aqui o ambiente era de pobreza e escassez, com tudo ainda por fazer. Por isso o Barroco brasileiro já foi acusado de pobreza e incompetência quando comparado com o europeu, de caráter erudito, cortesão, sofisticado e sobretudo branco, apesar de todo ouro nas igrejas nacionais, pois muita coisa é de execução tecnicamente tosca, feita por mão escrava ou morena. Mas esse rosto impuro, mestiço, é que o torna único e inestimável.[6][7]


Um índio anônimo no século XVII produziu este Cristo açoitado, hoje no Museu de Arte Sacra de Pernambuco, onde se percebe uma pletora de influências estilísticas exóticas.


Anônimo: Êxtase de Santa Teresa, Igreja do Convento do Carmo, São Cristóvão. A espontaneidade naïf é uma característica de grande parte do barroco brasileiro.
Também é preciso assinalar que o barroco se enraizou no Brasil com certo atraso em relação à Europa, e este descompasso, que se perpetuou por toda sua trajetória, por vezes ajudou a mesclar, de forma imprevista, elementos estilísticos que se desenvolviam localmente com outros externos mais atualizados que estavam em constante importação. Os religiosos ativos no país, muitos deles literatos, arquitetos, pintores e escultores, e oriundos de diversos países, contribuíram para esta complexidade trazendo sua variada formação, que receberam em países como Espanha, Itália e França, além do próprio Portugal. O contato com o oriente, via Portugal e as companhias navegadoras de comércio internacional, também deixou sua marca, visível nas chinoiseries que se encontram ocasionalmente nas decorações e nas estatuetas em marfim.[3]
Como exceção interessante, existe um pequeno acervo de obras de arte realizadas exclusivamente por índios ou em colaboração com os padres catequistas, fenômeno ocorrido no âmbito das Reduções jesuíticas do sul e em casos pontuais no Nordeste. Por fim, mas não menos importante, está o elemento popular e inculto, tantas vezes naïf, evidente em boa parte da produção local, já que os artistas com preparo sólido eram poucos e os artesãos autodidatas ou com pouco estudo eram a maioria do criadores, pelo menos nos primeiros dois séculos de colonização. Neste cadinho de tendências são detectados até elementos de estilos já obsoletos como o gótico na obra de mestres como o Aleijadinho. O resultado de todos estes entrecruzamentos e mesclas é o acervo original e riquíssimo que hoje se vê espalhado em praticamente todo o litoral do país, desde o extremo sul no Rio Grande do Sul até o norte, tocando o Pará. Para dentro, o estilo derramou-se por São Paulo e Minas Gerais, onde se exprimiu com a característica elegância rococó, e alcançou o Centro-Oeste deixando jóias como as encontradas em Goiás.[3][8]
No início do século XVIII, o Barroco brasileiro conseguiu uma face relativamente unificada, no chamado "estilo nacional português", cujas raízes eram de fato italianas, sendo adotado sem grandes variações nas diversas regiões, e a partir de 1760, por influência francesa, se suavizou no Rococó, bem evidente nas igrejas de Minas Gerais. No fim do século XVIII o Barroco brasileiro já se encontrava perfeitamente "nacionalizado", tendo dado inumeráveis frutos anteriores de alto valor, e apareceram as figuras célebres que o levaram a uma culminação, e que iluminaram em grande estilo também o seu fim como corrente estética dominante: Aleijadinho na arquitetura e na escultura, e na pintura Mestre Ataíde. Eles epitomizam uma arte que havia conseguido amadurecer e se adaptar ao ambiente de um país tropical e dependente da Metrópole, ligando-se aos recursos e valores regionais e constituindo um dos primeiros grandes momentos de originalidade nativa, de brasilidade genuína. Demonstrando possuírem grande força plástica e expressiva, tornaram-se ícones da cultura nacional. O grande ciclo de onde surgiram foi logo depois abruptamente interrompido com a imposição oficial da novidade neoclássica de inspiração francesa, no início do século seguinte.

Pintura e escultura

A pintura e a escultura barrocas se desenvolveram como elementos auxiliares, embora fundamentais, para obtenção do efeito cenográfico total da arquitetura sagrada que era erguida, todas as especialidades conjugando esforços em busca de um resultado sinestésico arrebatador. Uma vez que a arte barroca é essencialmente narrativa, cabe mencionar os principais grupos temáticos cultivados no Brasil. O primeiro é extraído do Antigo Testamento, oferecendo visualizações didáticas da cosmogênese, da criação do Homem e dos fundamentos da fé dados pelos patriarcas hebreus. O segundo grupo deriva do Novo Testamento, centralizado em Jesus Cristo e sua doutrina de Salvação, temática elaborada através de muitas cenas mostrando seus milagres, suas parábolas, sua Paixão e Ressurreição, elementos que consolidam e justificam o Cristianismo e o diferenciam da religião judaica. O terceiro grupo gira em torno dos retratos de autoridades da Igreja, os antigos patriarcas, os mártires, santos e santas, os clérigos notáveis, e por fim vem o grupo temático do culto mariano, retratando a mãe de Jesus em suas múltiplas invocações.[29]

Pintura


José Joaquim da Rocha: Glorificação dos Santos Franciscanos, Igreja do Convento de S. Antônio, João Pessoa.
As primeiras pinturas criadas do Brasil foram realizadas sobre pranchas de madeira, em um estilo proto-barroco ou maneirista, e subsidiárias à decoração em talha. Apareceram em meados do século XVII em edifícios das ordens religiosas, como o Convento de Santo Antônio no Rio de Janeiro, e o Convento de São Francisco, em Olinda, dos mais antigos do país, mas a maioria destes primeiros trabalhos se perdeu em incêndios ou em modernizações posteriores. Sobrevivem também, da mesma época, alguns raríssimos exemplos da técnica do afresco no Mosteiro de São Bento no Rio, redescobertos durante uma restauração recente, e na Igreja dos Terésios em Cachoeira do Paraguaçú, estes do jesuíta Carlos Belleville, mas não há registro de disseminação da técnica ou de continuadores.[30] Algumas dessas obras pioneiras eram ex-votos, de fatura rústica, encomendados pelos devotos a artesãos populares em paga por alguma graça recebida ou em penhor de alguma promessa. Os ex-votos tiveram um papel importante no primeiro desenvolvimento da pintura colonial por constituírem uma prática frequente, o que se explica pelo cenário ainda selvagem onde as povoações se organizavam, e onde não faltavam perigos de várias ordens contra os quais a invocação aos poderes celestes para a ajuda e proteção era constante.[31]
Quase ao mesmo tempo artistas holandeses da corte de Maurício de Nassau realizaram em tela, em Pernambuco, notáveis documentos da terra e da gente local através da técnica requintada e minuciosa de Frans Post e Albert Eckhout. Foram também as primeiras grandes obras profanas da pintura brasileira. Contudo, a maioria dessas telas deixou o país junto com seus autores quando voltaram à Holanda, e sua única influência local perdurou talvez em frei Eusébio da Soledade, considerado o fundador da escola baiana de pintura. Salvo estes holandeses, a pintura barroca nacional foi praticada quase exclusivamente no terreno sacro, ainda que não raro se incluíssem nas composições trechos paisagísticos, cenas de costumes e retratos profanos.[32][33] Também neste período inicial surgiram Baltazar de Campos, que chegou ao Maranhão em 1661 e produziu telas sobre a Vida de Cristo para a sacristia da Igreja de São Francisco Xavier, e João Felipe Bettendorff, também no Maranhão, decorando as igrejas de Gurupatuba e Inhaúba. Outros nomes que merecem nota são o frei Ricardo do Pilar, com uma técnica que se aproxima da escola flamenga e autor de um esplêndido Senhor dos Martírios, mais Lourenço Veloso, formado em Lisboa, Domingos Rodrigues, Jacó da Silva Bernardes e Antonio Gualter de Macedo, que atuaram em diversos locais entre Pernambuco e Rio de Janeiro.[30][33]
O século seguinte viu a pintura florir em inumeráveis igrejas em todas as regiões do país, formando os germes de escolas regionais, ainda que por mãos em grande parte anônimas. Em 1732 Caetano da Costa Coelho introduziu na capela-mor da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência do Rio a primeira pintura de perspectiva arquitetural ilusionística no Brasil, uma técnica que logo ganhou muitos adeptos e teve uma culminação com José Joaquim da Rocha no teto da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia, entre 1773 e 1774. Outros nomes foram Domingos da Costa Filgueiras, Jesuíno do Monte Carmelo, Antônio Simões Ribeiro, Manuel da Cunha, Manuel de Jesus Pinto e João de Deus Sepúlveda estes dois últimos deixando bela decoração na Concatedral de São Pedro dos Clérigos. José Eloy, em Olinda, e José Leandro de Carvalho, no Rio, já mostram um estilo perfeitamente Rococó. José Teófilo de Jesus foi figura singular, um dos maiores representantes da escola baiana, de talento superior e com um estilo polifacetado, abordando também temas mitológicos e alegóricos, cujas obras de maior vulto surgiram já no século XIX, permanecendo em atividade até cerca de 1847, pouco tocado pelo Neoclassicismo. Em Minas trabalharam muitos artistas, como Manuel Rebelo e Souza, Joaquim José da Natividade, Bernardo Pires, João Nepomuceno Correia e Castro, e a presença maior foi Mestre Ataíde, o último grande mestre da pintura barroca brasileira e um nome importante do Rococó internacional. É interessante ainda o belo acervo remanescente de azulejaria pintada, em boa parte importado de Portugal, mas que não obstante deu uma nota característica em inúmeros conventos, igrejas e casarios barrocos brasileiros

Escultura
O Barroco originou uma vasta produção de estatuária sacra, disseminada por todo o litoral e em algumas regiões do interior do Brasil. Parte integral da prática religiosa, a estatuária devocional encontrava espaço tanto no templo como no domicílio privado. As primeiras peças barrocas do país eram de importação portuguesa, e vieram com os missionários. Ao longo de todo o Barroco a importação de obras continuou, e muitas das que ainda existem em igrejas e coleções museais são de procedência européia. Mas a partir do século XVII começaram a se formar escolas conventuais locais de escultura, compostas principalmente por religiosos franciscanos e beneditinos, mas com alguns artesãos laicos, que trabalhavam principalmente o barro. Já os jesuítas deram preferência à madeira. Índios reduzidos também deram sua colaboração como santeiros, especialmente nas reduções do sul e em algumas do nordeste, e nesses casos muitas vezes traços étnicos índios são encontrados no rosto das imagens. Criados aqui ou não, dificilmente haveria uma casa que não possuísse ao menos algum santo de devoção esculpido, e a estatuária se tornou um bem de largo consumo, quase onipresente, com exemplares de grande porte até peças miniaturizadas para uso prático em viagens. Salvador em especial tornou-se um centro exportador de estatuária para os mais distantes pontos do país, criando uma escola regional de tanta força que não conheceu solução continuidade senão no século XX. Outra escola nordestina importante foi a de Pernambuco, com produção de alta qualidade mas ainda pouco estudada. A maioria das obras que sobrevivem permanece anônima; não costumavam ser assinadas e as análises de estilo muitas vezes não são suficientes para se determinar com precisão sua origem, uma vez que a iconografia seguia padrões convencionados que valiam por toda parte e a circulação de obras pelo país era grande, mas alguns nomes foram preservados pela tradição oral ou através de recibos de pagamento de obras.[34][35]


Aleijadinho: Cristo no Horto das Oliveiras, Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, Congonhas.
Com a sedimentação da cultura nacional por volta da metade do século XVIII e com a multiplicação de artífices mais capazes, nota-se um crescente refinamento nas formas e no acabamento das peças, e aparecem imagens de grande expressividade, ora quase sempre em madeira. Entretanto, a importação de estatuária diretamente de Portugal continuou e mesmo cresceu com o enriquecimento da colônia, uma vez que as classes superiores preferiam exemplares mais bem acabados e de mestres mais eruditos. Ao mesmo tempo se multiplicaram as escolas regionais, com destaque para as do Rio, São Paulo, Maranhão, Pará, e Minas, onde a participação do negro e do mulato foi essencial e onde se desenvolveram traços típicos regionais mais distintos que podiam incorporar elementos estilísticos arcaizantes ou de várias escolas em sínteses ecléticas. Aleijadinho representa o coroamento e a derradeira grande manifestação de escultura barroca brasileira, com obra magistral espalhada na região de Ouro Preto, especialmente as obras no Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, compondo uma série de grandes grupos escultóricos nas capelas das estações da Via Crucis e os célebres Doze Profetas, no adro daquela igreja.[34] Alguns outros autores merecem nota: Agostinho de Jesus, ativo no Rio e São Paulo, e frei Agostinho da Piedade, de Salvador, considerados os fundadores da escultura brasileira; José Eduardo Garcia, Francisco das Chagas, o Cabra, Félix Pereira Guimarães e Manuel Inácio da Costa, ativos em Salvador; Francisco Xavier de Brito, atuando entre Rio e Minas, Manoel da Silva Amorim, em Pernambuco, Bernardo da Silva, da escola maranhense, Simão da Cunha e Mestre Valentim, no Rio de Janeiro. Na escola de Minas, Francisco Vieira Servas, José Coelho Noronha, Felipe Vieira, Valentim Correa Paes e Bento Sabino da Boa Morte, entre outros.[35]
A estatuária barroca por regra era pintada com cores vivas e não raro com douramentos, e decorada com ornamentos acessórios como coroas e resplendores em prata e ouro, que podiam ser cravejados de pedras preciosas. Também podiam ser colocados olhos de vidro, dentes de marfim e vestidos de tecido, e as grandes estátuas de roca, que se levavam em procissões, podiam ter cabelos reais, a fim de enfatizar seu aspecto ilusionístico, e membros articulados, para possibilitar seu uso em representações teatrais sacras. Para a pintura a imagem em material bruto recebia uma camada de um preparo à base de argila e cola, conhecido como "bolo armênio", que preenchia os poros da madeira ou do barro e criava uma superfícia lisa para o trabalho posterior. Se a imagem fosse ter douramento, as finíssimas folhas de ouro eram aplicadas em seguida, podendo ser polidas para realçar o brilho, ou não, criando um dourado fosco. O pratemento era mais raro, e mais custoso, pois não havia minas de prata no Brasil e o material era obtido da fundição de moedas peruanas. Sobre o ouro ou prata era aplicada a tinta, óleo ou têmpera oleosa, e para que o metal subjacente aparecesse era removida nas partes necessárias com estiletes ou com um ponteador, o que possibilitava o desenho de intrincados padrões florais ou abstratos. A pintura do rosto, mãos, pés ou outras partes do corpo à mostra se chamava "encarnação", e como o nome sugere, almejava o efeito da carne humana; a decoração do vestuário se denominava "estofamento". Nos exemplares em marfim, mais raros, o material podia ser deixado aparente.[36][37]
Quando uma imagem se deteriorava podia ser descartada, lançando-a ao mar, a um rio, enterrando-a numa igreja ou depositando-a em algum oratório de beira de estrada. Em festas solenes, ou como pagamento de alguma promessa, estatuária mais antiga podia ser reformada, talhando-se novos detalhes e realizando uma repintura.[34] É de assinalar necessariamente a magnífica produção de escultura aplicada, no mobiliário entalhado e na talha dourada das igrejas, já bem ilustrada nas seções acima, que chegaram a altos níveis de refinamento e complexidade, como provam os altares de São Bento em Olinda, a Basílica de Nossa Senhora do Carmo e da Capela Dourada em Recife, Nossa Senhora do Ó em Sabará, e em inúmeras outras edificações.