Prof. Marcio Carneiro

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sexta-feira, 22 de julho de 2011

O ciclo mineiro


Minas Gerais teve a peculiaridade de ser uma área de povoamento mais recente em relação ao litoral, e pôde construir com mais liberdade, em estéticas mais atualizadas, no caso, o Rococó - por uns tido como uma derivação mais leve e elegante do Barroco, e por outros como um estilo independente - uma profusão de igrejas novas, sem ter de adaptar ou reformar edificações mais antigas já estabelecidas e ainda em uso, como era o caso litorâneo, o que as torna exemplares no que diz respeito à unidade estilística. O conjunto rococó das igrejas de Minas tem uma importância especial tanto por sua riqueza e variedade como por ser testemunho de uma fase bem específica da história brasileira, quando a região concentrava as atenções da Metrópole portuguesa por suas grandes jazidas de ouro e diamantes e constituía o primeiro núcleo no Brasil de uma sociedade eminentemente urbana. A formulação de uma linguagem artística diferenciada na região das Minas deveu-se também a outros dois fatores importantes: o seu relativo isolamento do resto do país e o súbito enriquecimento da região com a descoberta daquelas ricas jazidas. O estilo tipicamente praticado em Minas Gerais teve seu centro principal na antiga Vila Rica, hoje Ouro Preto, fundada em 1711, mas também floresceu com vigor em Diamantina, Mariana, Tiradentes, Sabará, Cachoeira do Campo, São João del-Rei, Congonhas e uma série de outras cidades e vilas mineiras. Quando o ouro começou a escassear, por volta de 1760, o ciclo cultural da região também entrou em declínio, mas foi quando o seu estilo característico, nesta altura já transitando para o Rococó, chegou à culminação com a obra de maturidade de Aleijadinho e Mestre Ataíde. A riqueza da região no século XVIII favoreceu ainda o surgimento de uma elite interessada em arte. Segundo Affonso Ávila,
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Igreja de São Francisco de Assis em São João del-Rei, projeto de Aleijadinho modificado por Cerqueira
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Anjo com o cálice da Paixão, na Via Sacra de Congonhas
"A experiência singular da Capitania das Minas Gerais constituiu, pelas peculiaridades do condicionamento econômico e do processo civilizador, um momento único da história cultural brasileira. E se o ouro e o diamante - ou melhor, se a indústria da mineração foi, no campo de economia, o fator material de cristalização e autonomia da cultura montanhesa, o atavismo barroco preparou-lhe o suporte espiritual, imprimindo à vida da sociedade mineradora os seus padrões ético-religiosos e impondo às manifestações criativas os seus valores e gostos estéticos. Sem essa unidade de conformação filosófica jamais seria possível a sedimentação de uma cultura tão autêntica em sua individualidade, fenômeno não de uma contingência histórico-regional, mas de uma polarização de virtualidades étnicas da gente colonizadora que aqui encontrariam condições excepcionais de expansão e afirmação". 
Cabe uma palavra sobre o papel das irmandades na vida social de Minas, às quais Aleijadinho se ligou através da Irmandade de São José, que atendia sobretudo mulatos e atraía muitos carpinteiros. Eram organizações que patrocinavam as artes, fomentavam o espírito de vida cristã, criavam uma rede de assistência mútua para seus integrantes e se dedicavam ao cuidado dos pobres. Muitas se tornaram riquíssimas, e competiam na construção de templos decorados com luxo e requinte, ostentando pinturas, entalhes e estatuária. Também se considera que as irmandades tinham um lado político, atuando na construção da uma consciência social num meio dominado pela elite branca portuguesa. Lembre-se nesse sentido que na época em que Aleijadinho trabalhou Minas esteve em um estado de periódica agitação política e social, fortemente pressionada pela Coroa portuguesa, que desejava sob qualquer custo o ouro das minas, sendo em virtude dessa pressão intolerável a sede da Inconfidência Mineira. É documentado que Aleijadinho tinha contato com um dos inconfidentes, Cláudio Manuel da Costa, mas suas opiniões políticas são desconhecidas.
O Rococó pode ser descrito sucintamente como uma suavização e aligeiramento do Barroco. Em Minas isso se manifestou no abandono da decoração pesada e compacta dos templos litorâneos mais antigos e tipicamente barrocos, repletos de densos entalhes, muitas vezes integralmente cobertos de ouro, emoldurando painéis compartimentalizados pintados com cores sombrias, os chamados "caixotões", e adotando em vez decorações mais abertas, fluentes, luminosas e leves. A suavização se imprimiu também sobre a arquitetura, com fachadas mais elegantes e pórticos mais decorativos, janelas maiores para uma iluminação interna mais efetiva, plantas mais movimentadas, materiais mais dóceis como a pedra-sabão, e interiores com predomínio da cor branca, intercalada com talha mais delicada e graciosa, mais expansiva e também mais esparsa, recorrendo amiúde aos padrões derivados da forma da concha com policromias claras. A abordagem geral da iconografia sacra, porém, não foi grandemente afetada pelo Rococó em países com a forte tradição contra-reformista como Portugal e Brasil, dando continuidade ao que se descreveu sobre a temática no Barroco, incluindo-se aqui o caso das obras esculturais de Aleijadinho, cuja dramaticidade e eloquência são marcadas.
No entender de Myriam Oliveira a introdução do Rococó em Minas é ainda mal compreendida, dizendo saber-se com certeza apenas que na década de 1760 já apareciam obras nesta feição em vários pontos da região, sem qualquer ligação aparente entre si. Mas outros pesquisadores atribuem o surgimento do estilo em Minas claramente à difusão de gravuras alemãs e francesas, estatuária e azulejos portugueses, criados nesta estética que já estava consolidada na Europa a esta altura. Note-se que em todo Brasil colonial, desenvolvendo sua arte sob uma estrutura de ensino bastante precária e essencialmente artesanal e corporativa - a primeira escola de arte oficial só foi fundada em 1808, no Rio -, a prática de aprendizado através do estudo de reproduções de grandes exemplares da arte européia foi um processo corriqueiro entre os artistas nativos, que nelas buscavam inspiração para seus próprios trabalhos. Também é certa - apesar das restrições impostas pela Coroa à imigração e circulação de gentes nas Minas - a chegada de portugueses à região, que conheciam bem a arte da Metrópole e naturalmente imprimiram sua marca entre os mineiros. Apesar desse conjunto de evidências a extensão dessa influência ainda é discutível.
A filiação de Aleijadinho às escolas estéticas supracitadas é motivo de disputa, e alguns autores até detectam traços de estilos arcaicos como o Gótico em sua produção, que ele teria conhecido através de gravuras florentinas. Mário de Andrade, no entusiasmo que caracterizou a redescoberta de Aleijadinho pelos modernistas, chegou a se expressar sobre seu estilo em escala épica, dizendo que "… o artista vagou pelo mundo. Reinventou o mundo. O Aleijadinho lembra tudo! Evoca os primitivos italianos, esboça o Renascimento, toca o Gótico, às vezes é quase francês, quase sempre muito germânico, é espanhol em seu realismo místico. Uma enorme irregularidade cosmopolita, que o teria conduzido a algo irremediavelmente diletante se não fosse a força de sua convicção impressa em suas obras imortais". Por vezes o Aleijadinho é analisado como elemento de transição entre o Barroco e o Rococó, como é o caso de Bazin, Brandão, Mills, Taylor e Graham. Outros o têm como um mestre típico do Rococó, como James Hogan, para quem ele foi o maior expoente do Rococó brasileiro, ou Myriam Oliveira, notória estudiosa da arte colonial, que denunciou a tendência recorrente de assimilar o "fenômeno mineiro" para dentro da órbita do Barroco, falha básica que ela apontou existir na maioria dos estudos modernos sobre a arte da região e sobre o Aleijadinho, e que originou o conceito, tão divulgado, e para ela falso, de "Barroco mineiro". Outros o vêem como um perfeito exemplo do Barroco, como Clemente, Ferrer, Fuentes e Lezama Lima. John Bury considera que
"O estilo de Aleijadinho pertence ao Barroco, no sentido mais amplo do termo. O espírito do Barroco era o da universalidade católica e imperial e, nesse aspecto, o Aleijadinho foi um verdadeiro mestre desse estilo. Ele captou instintivamente as noções básicas do Barroco em termos de movimento, ausência de limites e espírito teatral, bem como a ideia de que todas as artes, arquitetura, escultura, talha, douramento, pintura e até mesmo espetáculos efêmeros … deveriam ser usados como elementos que contribuíssem harmoniosamente para um grandioso efeito ilusório".
Também é assinalada a influência da arte popular em sua obra, como refere Junqueira Filho ao afirmar que sua singularidade reside no fato de ele superar o talento de um simples copista e as idiossincrasias de uma linguagem popular que, entretanto, persiste visível como "uma graça artesanal" no seu processo de se apropriar dos modelos cultos, ultrapassando seus modelos e adquirindo um status de obra nova e original, conquista que seria a responsável pela universalidade de sua contribuição sem que isso implique perda de sua raiz popular, sendo também uma justificativa para sua relevância no panorama da arte brasileira.

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