Problema da autoria e estilo pessoal
Como ocorre com outros artistas coloniais, a identificação das obras do Aleijadinho é dificultada pelo fato dos artistas da época não assinarem suas obras e pela escassez de fontes documentais. Em geral os documentos como contratos e recibos acordados entre as irmandades religiosas e os artistas são as fontes mais seguras para a atribuição de autoria. Também outros documentos, como a Memória do vereador de Mariana transcrito por Bretas e a tradição oral são elementos úteis. Comparações estilísticas entre as obras autenticadas com as de autoria sugerida podem ser usadas para identificar o autor, embora este critério seja sempre conjetural, ainda mais porque se sabe que o estilo "típico" de Aleijadinho criou escola, sendo continuado por grande número de escultores mineiros e copiado até nos dias de hoje por santeiros da região. Tal estilo foi descrito por Silvio de Vasconcellos como apresentando os seguintes traços:
- Posicionamentos dos pés em ângulo próximo do reto;
- Panejamentos com dobras agudas;
- Proporções quadrangulares das mãos e unhas, com o polegar recuado e alongado e indicador e mínimo afastados, anular e médio unidos de igual comprimento; nas figuras femininas os dedos se afunilam e ondulam, elevando-se em seus terços médios;
- Queixo dividido por uma cova;
- Boca entreaberta e lábios pouco carnudos, mas bem desenhados;
- Nariz afilado e proeminente, narinas profundas e marcadas;
- Olhos rasgados de formato amendoado, com lacrimais acentuados e pupilas planas; arcadas superciliares alteadas e unidas em "V" na altura do nariz;
- Bigodes nascendo das narinas, afastados dos lábios e fundidos com a barba; esta é recuada na face e se apresenta bipartida em dois rolos;
- Braços curtos, um tanto rígidos, especialmente nos relevos;
- Cabelos estilizados, modelados como rolos sinuosos e estriados, terminados em volutas e com duas mechas sobre a testa;
- Expressividade acentuada, olhar penetrante.
A título de exemplo, ao lado se ilustra uma das inúmeras imagens que vêm sendo aceitas como de sua autoria com base na comparação estilística, uma Nossa Senhora das Dores, hoje no acervo do Museu de Arte Sacra de São Paulo.
Beatriz Coelho dividiu sua evolução estilística em três fases: a primeira, entre 1760 e 1774, quando seu estilo é indefinido, à procura de uma caracterização; a segunda, entre 1774 e 1790, quando ele se personaliza e suas obras se definem pela firmeza e idealização, e a final, entre 1790 e sua morte, quando a estilização chega a extremos, bem longe do naturalismo, tentando expressar a espiritualidade e o sofrimento.
Outro aspecto que deve ser levado em conta é o sistema de trabalho em oficinas coletivas que vigorava nas Minas de seu tempo; há pouca certeza acerca da extensão de sua intervenção direta na execução de muitas de suas obras, mesmo as documentadas. Muitas vezes os mestres-de-obras intervinham no risco original das igrejas, e a supervisão da construção era realizada por equipes das corporações, associadas aos poderes civil e eclesiástico, que também tinham poder diretivo. Para a talha de altares e esculturas igualmente participavam um número indeterminado de artesãos assistentes, que se bem seguindo as diretrizes do projetista encarregado da encomenda, deixavam sua marca distintiva nas peças finalizadas. Como disse Angela Brandão,
-
- "Embora todo o sistema de organização da atuação dos ofícios mecânicos, herdada de modelos medievais portugueses, tenha se modificado ao adequar-se à colônia brasileira, parece certo que tanto em Portugal e tanto mais no Brasil a rígida divisão das funções exercidas por diferentes oficiais nunca se tenha mantido criteriosamente… As sobreposições ou exercício de funções que extrapolavam os limites profissionais estabelecidos para cada ofício mecânico não deixaram de gerar conflitos … Diferentes caminhos, levados em consideração, levam a concluir que os trabalhos artísticos e artesanais, em suas variadas atividades, entrelaçavam suas funções nas mãos de diferentes oficiais (os "oficiais de tudo", para usar o termo do século XVI), nos canteiros de obras e nos diversos encargos promovidos por irmandades e pela diocese em Minas Gerais do século XVIII".
Sendo hoje um dos ícones da arte brasileira, sua obra é altamente valorizada no mercado, e na problemática das atribuições de autoria entram em jogo fortes pressões de vários setores envolvidos, incluindo instâncias oficiais, colecionadores e comerciantes de arte. Apesar de sua obra documentada se resumir a relativamente poucas encomendas (duas delas incluindo os grandes conjuntos escultóricos de Congonhas, a Via Sacra e os Profetas), o catálogo geral publicado por Márcio Jardim em 2006 elencou 425 peças como de sua lavra exclusiva, sem ajuda de outrem, número muito maior do que as 163 obras contadas em 1951, na primeira catalogação. E o número não cessa de crescer: diversas peças de autoria até então desconhecida vêm sendo "autenticadas" nos últimos anos, quase invariavelmente sem qualquer fundamento documental. Um estudo crítico publicado em 2003 por pesquisadores ligados ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Myriam Oliveira, Antônio Batista dos Santos e Olinto Rodrigues dos Santos Filho, contestou centenas dessas atribuições, e o livro acabou tendo toda sua edição apreendida por ordem judicial, emitida num processo aberto por Renato Whitaker, grande colecionador de Aleijadinho, que se sentiu prejudicado ao ver várias de suas peças desacreditadas. O embargo, porém, foi levantado em seguida. Outras contestações vieram de Guiomar de Grammont, alegando que em seu tempo de vida, e prejudicado por uma doença limitante, seria impossível que ele executasse todas as obras a ele atribuídas. Ela alegou ainda ter"razão para desconfiar que existe um conluio entre colecionadores e críticos para valorizar obras anônimas".
Cristo no Horto das Oliveiras, na Via Sacra de Congonhas
Nossa Senhora das Dores, tradicionalmente atribuída a Aleijadinho. Museu de Arte Sacra de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário